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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

EXPOSIÇÃO DE PINTURA: "Minha Senhora de Mim (De Quê)?"



EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Minha Senhora de Mim (De Quê)?”,
de Rosa Bela Cruz
Espaços de Pensar - Teias de Sentir
Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense
09 Nov 2024 > 24 Jan 2025


Pródiga, benfazeja, a luz derrama-se do grande janelão que abre para o pátio da casa, dando à sala um tom de mel e tornando-a ainda mais acolhedora. Lá fora, o tanque e a relva, a laranjeira de onde pende um cacho de frutos, o muro que um gato atravessa. Mas é na sala que o meu olhar fica preso, na longa parede vestida de cinco pinturas, de cinco poetisas, de cinco mulheres: Ana Luísa Amaral, Sophia de Mello Breyner, Adília Lopes, Maria Teresa Horta, Florbela Espanca. Foram elas que Rosa Bela Cruz quis convidar para a sala, inaugurando o Projecto Cultural “Espaços de Pensar - Teias de Sentir”, conjunto de momentos distintos a convocar a reflexão, tendo as artes plásticas como suporte inicial e a temática da mulher como pano de fundo. Quem acompanha o percurso da artista, sabe o quanto os seus trabalhos se mostram “à flor da pele” e se afirmam num “eterno retorno” à figura da mulher. “Um olhar que vê” para o interior daquelas que, numa sociedade conservadora e machista, continuam reféns do preconceito e da discriminação, mas que encontram na arte de Rosa Bela Cruz um meio de ascenderem à condição de sujeitos primordiais num contexto de afirmação de princípios e valores que as distingue como sublimes e únicas.

Mas volto às cinco mulheres, ao olhar que em mim poisam e que acompanha os meus passos. Os seus olhos brilham, decerto não pela minha presença, mas pela conversa que mantinham antes da minha chegada. De que falariam para que assim se mostrassem, num misto de inquietação e arrebatamento, apaixonadas, seguramente felizes? Gosto de pensar, agora que a noite se aproxima, que Ana Luísa exortava as companheiras a não deixarem a lua “entrar pela ombreira, sentar-se e conversar”. De soslaio, o olhar de Sophia mostrar-se-ia em desacordo e a palavra não tardaria: “Em todos [os jardins] beberei a lua cheia”. Sarcástica, Adília brincaria com as palavras e, numa gargalhada, diria ser, não a lua, mas “a luva” (“eu sou a luva / e a mão / Adília e eu / quero coincidir / comigo mesma”). Maria Teresa gostaria da lua (“desperta-me de noite / o teu desejo”) e gostaria da luva (“na vaga dos teus dedos / com que vergas / o sono em que me deito”). Da lua, Florbela teria pena: “Eu tenho pena da Lua! / Tanta pena, coitadinha, / Quando tão branca, na rua, / A vejo chorar sozinha!…”. Saio ao de leve deixando-as a conversar, recolho a folha de sala e sigo para o corredor.

Murmúrios. Diálogos. Dois a dois, os quadros figuram a mulher no que tem de sujeito e complemento, no que lhe é intrínseco e no que aceita dos outros, no que mostra e no que decide ocultar, no yin e yang tão seu. Poiso os olhos na folha que tenho nas mãos e caminho enquanto leio: “Trabalhar e representar o universo feminino é uma forma de questionar as certezas estabelecidas num mundo tão adverso para a mulher. É uma forma de dar expressão a dúvidas e angústias que tantas vezes marcam o quotidiano feminino. Cada mulher aqui representada tem algo de nós, seja qual for o género com que nos identificamos. São espelhos de mundos interiores, de sentimentos e preocupações.” Quando volto a erguer os olhos, tenho à minha frente uma instalação com uma pintura, têxteis e espelhos. Chama-se “À Procura de um Rosto (Rosa?!)” e o título remete para a tia de Júlio Dinis, que nesta casa acolheu o escritor no Verão de 1863. Procuro esse rosto de mulher, senhora de si (de quê?), mas é o meu que encontro reflectido. Ao meu lado, Ana Luísa Amaral sussurra-me: “A mesma folha. / De um lado, analisar, / do outro - eu. // Mas o lado primeiro / também eu. Outro eu”. Só até 24 de Janeiro!

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