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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

CINEMA: "Pequenas Coisas Como Estas"



CINEMA: “Pequenas Coisas Como Estas” / “Small Things Like These”
Realização | Tim Mielants
Argumento | Enda Walsh
Fotografia | Frank van den Eeden
Montagem | Alain Dessauvage
Interpretação | Cillian Murphy, Eileen Walsh, Emily Watson, Patrick Ryan, Peter Claffey, Ian O’Reilly, Helen Behan, Zara Devlin, Sarah Morris, Cillian O’Gairbhi, Tadhg Moloney, Liadan Dunlea, Giulia Doherty, Rachel Lynch, Aoife Gaffney, Faye Brazil, Michelle Fairley
Produção | Matt Damon, Catherine Magee, Alan Moloney, Cillian Murphy, Drew Vinton
Irlanda, Bélgica, Estados Unidos | 2024 | Drama, História | 98 Minutos | Maiores de 12 Anos
UCI Arrábida 20 - Sala 13
15 Jan 2024 | qua | 16:25


Estou em crer que Cillian Murphy é aquele tipo de actor que a maioria dos realizadores gostaria de dirigir. O olhar quase inexpressivo, mas altamente emocional, faz com que as figuras que interpreta se tornem imediatamente empáticas e credíveis, como ficou demonstrado com o seu desempenho de J. Robert Oppenheimer e que lhe valeu o óscar de Melhor Actor no ano que findou. Tim Mielants não terá disso a menor dúvida, visto fazer centrar as atenções deste seu “Pequenas Coisas Como Estas” no olhar aparentemente vazio do actor, sem se desviar dele por um instante, excepção feita para as sequências que falam da sua infância. Murphy é Bill Furlong, dono de uma pequena carvoaria numa vila do sudeste da Irlanda. Enquanto os seus dias são feitos da distribuição de carvão pela população, a esposa Eileen cuida da lida da casa e acompanha o crescimento das filhas do casal. Apesar das dificuldades, a família aparenta uma vida feliz. Certo dia, ao fazer uma entrega num Convento dos arrabaldes da cidade, Bill fica chocado ao ver uma jovem ser arrastada contra a sua vontade pela mãe e por uma das freiras para o interior do Convento. A cena tem o condão de o confrontar com as memórias do passado, levando-o a sentir que é cada vez mais difícil manter o silêncio numa sociedade fechada e controlada pela Igreja Católica.

Baseado no romance homónimo da escritora irlandesa Claire Keegan, “Pequenas Coisas Como Estas” aborda a questão dos Asilos de Madalena - “As Irmãs de Maria Madalena”, filme de Peter Mullan que conquistou o Leão de Ouro em 2002, tratava o mesmo assunto -, instituições cuja missão consistia em reabilitar as mulheres de volta à sociedade, mas cujo carácter punitivo fazia delas autênticas prisões. Ostensivamente chamadas de “casas de mulheres perdidas”, os Asilos de Madalena terão albergado, só na Irlanda, cerca de 56.000 mulheres, - muitas delas com deficiência física e mental, mas sobretudo prostitutas e mães solteiras -, retirando os filhos àquelas que viriam a dar à luz e encaminhando-os para adopção. Um inquérito às práticas brutais da Igreja nestas instituições confirmaria os abusos, o que levou o governo da Irlanda, em Fevereiro de 2013, a apresentar desculpas a todas as mulheres que foram internadas e forçadas a trabalho escravo ao longo de quase um século. Uma parte importante do filme explora, precisamente, o conflito interior sempre latente, mostrando um Bill que guarda para si os dilemas em vez de os exteriorizar. Na interpretação de Murphy, actor dotado de uma natural simpatia, nunca duvidamos da sua vontade em combater aquilo que sabe estar errado, o problema residindo na forma como fazê-lo e se a sua atitude não acarretará mais mal do que bem.

A capacidade do actor em expressar-se sem nada dizer é um dos grandes trunfos do filme, alicerçado na sua elasticidade para nunca se tornar monótono ou repetitivo. O contraponto é dado por Eileen, a sua voz igualmente pausada, mas expedita na demonstração das suas emoções. Num mundo de silenciosa tristeza e de um medo que se vai tornando palpável, Tim Mielants mostra-se hábil na forma como capta a beleza sombria de uma vila da Irlanda rural, desenvolvendo pacientemente a história de forma a aproximá-la do público. O ritmo lento e a contenção da personagem interpretada por Cillian Murphy dão nota da intenção do realizador em apostar numa narrativa envolvente, que leve o espectador a questionar-se sobre matérias como a hipocrisia e a corrupção no coração da Igreja ou a forma como correspondemos às expectativas da sociedade. Num dado momento do filme, Bill questiona a esposa, de forma quase casual, se ela já teve inquietações. Na sua simplicidade, a pergunta encerra um momento surpreendente, já que serve de motor para que o homem abandone o estado de incerteza em que persiste e que o mantém como que paralisado, rompendo o medo de se exprimir, mesmo junto daqueles que lhe são mais próximos. Contido, intimista e profundamente perturbador, “Pequenas Coisas Como Estas” é a primeira boa surpresa do ano cinéfilo que agora começa.

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