EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Dentro”,
de Vlad Dumitrescu
iNstantes - Propostas Fotográficas #99
Casa da Cultura de Avintes
11 > 28 Jan 2025
“São as pessoas e não os lugares que geram memórias”. Corria o ano de 2017 e Vlad Dumitrescu, nascido em Brasov e com mestrado em administração de empresas, virava costas ao banco onde trabalhava. Estava decidido a abraçar um projecto pessoal dedicado à fotografia e apostado em encontrar e registar, na sua Roménia natal, os traços definidores de uma sociedade rural em vias de extinção. O artista despertara para a fotografia uma década antes, revelando-se crucial a aquisição da sua primeira máquina fotográfica, adquirida a um primo. As memórias da infância e juventude encarregaram-se do resto, levando-o a recuar no tempo, ao encontro da pacatez dos lugares mas, sobretudo, do bom gosto com que as pessoas se vestiam, dos detalhes daquilo que faziam, da simplicidade do seu modo de vida, da beleza dos seus usos e costumes. Tal como sucede em toda a parte, a Roménia atravessa alterações profundas, com as sociedades rurais “puras” à beira da extinção. Daí a importância de preservar momentos mágicos e únicos como aqueles que o fotógrafo nos oferece nesta série verdadeiramente impressiva.
Depois de ter integrado o iN’24 – 11.º Festival Internacional de Fotografia de Avintes e de ter sido mostrada na Escola de Medicina da Universidade do Minho (Braga), “Dentro” oferece-se ao nosso olhar por estes dias na Casa da Cultura de Avintes. As imagens seleccionadas levam-nos ao encontro de mulheres idosas que, no interior das suas casas, se entregam às mais variadas tarefas domésticas. Entre o fiar o linho ou o tender a massa do pão, o escolher os ovos, o mexer um cozinhado ao lume ou o dedicar um tempo à leitura da Bíblia, “Dentro” convoca os sentidos e convida à viagem a mundos que, de alguma forma, conservamos no mais fundo de nós. Mundos que já só fugazmente evocamos, no sabor de umas filhós “que só a minha avó sabia fazer”, de um recipiente onde se acabou de bater um bolo e que rapamos com o dedo, levando-o à boca com deleite, ou de uma sameira que, por brincadeira, movemos com um piparote do dedo. É esta viagem sensorial, através de “imagens que convocam imagens”, que o fotógrafo romeno nos proporciona, numa junção do cultural e do ancestral, com o social e o individual (leia-se “íntimo”).
A importância histórica e o carácter etnográfico constituem, a par do respeito pelos sujeitos fotografados, marcas distintivas desta exposição. Há todo um contexto poético no qual mergulhamos e que convoca o sonho e a magia. Mas que dizer da qualidade dos registos, do cuidado com o enquadramento, da forma como o artista tira o melhor partido da luz? Vlad Dumitrescu tem o raro dom de combinar o olhar realista com a utilização dramática da luz, estando para a fotografia como Caravaggio está para a pintura. As suas fotografias propõem um naturalismo estrito, assente em ambientes entre o real e o encenado e numa cuidada observação física dos sujeitos retratados. Esta “teatralidade” particular de cada um dos “quadros” é reforçada pelo excepcional domínio do claro-obscuro, fazendo com que as zonas de sombra se “esbatam”, ao mesmo tempo que os sujeitos são trespassados por uma luz divina. Há na fotografia de Vlad Dumitrescu essa dimensão eminentemente bíblica, que não afasta a nostalgia ou o fatalismo, mas que, no essencial, abraça a ternura e a esperança. É a natureza a dar largas ao seu livre curso, fundado nos mistérios da Criação. Um grande momento de fotografia, absolutamente imperdível!
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