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terça-feira, 17 de dezembro de 2024

CONCERTO: “A Garota Não, Banda Amizade, Ela Vaz em Concerto!”



CONCERTO: “A Garota Não, Banda Amizade, Ela Vaz em Concerto!”
Direcção Artística | Carlos Marques
Teatro Aveirense
14 Dez 2024 | sab | 21:30


A música é sempre melhor com amigos e esta é uma certeza para a Banda Amizade. Sejam amigos recentes ou de longa data, amigos de agora, amigos de outrora, amigos presentes ou que já partiram, é com amigos que se faz a festa da música. A celebrar 190 anos de existência, a Banda Amizade – Banda Sinfónica de Aveiro subiu ao palco do Teatro Aveirense e trouxe alguns desses amigos para ajudar a soprar tantas velas: Ela Vaz, uma amiga que não é de agora e da qual guarda a voz tão particular e as doces memórias de outras partilhas, e A Garota Não, uma nova amiga, assumida por inteiro na intensidade da sua voz, no poder da palavra e com quem é fácil desenvolver relações de amizade, solidariedade e cumplicidade. Às duas convidadas juntou-se Fausto Bordalo Dias, uma amizade mais antiga, de alguém com quem – e com cujas composições – a Banda Amizade teve o privilégio de privar por algumas vezes e que nos deixou recentemente, legando-nos, no entanto, a força de uma música que prima pela intemporalidade e rompe as fronteiras da alma.

Como não podia deixar de ser, foi com Fausto que teve início o concerto e com “A Memória dos Dias”, espantosa composição que abre “O Despertar dos Alquimistas”, um álbum que se prepara para fazer 40 anos. Assistiu-se, desde logo, a um trabalho de orquestração notável, ao qual Ela Vaz acrescentou a paixão da sua voz, preenchendo de imagens poéticas e de sentimentos profundos o momento inaugural, as palavras perfumadas pelo cravo e pelo alecrim como símbolos de esperança que teima em manter-se viva face aos atentados à liberdade a que vamos assistindo. Seguiu-se “Caminho Certo”, um tema que Ela Vaz foi buscar ao seu “Eu” e tem o dedo de Viriato Teles e Ricardo Fino, para logo se afirmar um velho e enorme amigo, Zeca Afonso, de quem se escutou “Mulher da Erva”, essa “vela que a onda condena” e que nos traz uma mulher que, como tantas outras, não tem, e nunca teve, futuro. Antes de passar o testemunho a A Garota Não, Ela Vaz voltou a abraçar Fausto em “Porque Me Olhas Assim”, de novo a Banda a fazer vir ao de cima a beleza e riqueza das sonoridades do autor de “O Barco Vai de Saída” e “A Guerra é a Guerra”.

Cantada a meias, “Canção Sem Final” trouxe ao palco A Garota Não e a sua música de protesto e desafio – “podem decretar o fim da arte / e a gente faz uma canção sobre isso”. “Entregue a si própria”, mas sempre com o abraço da Banda Amizade à qual teceu os mais rasgados elogios, A Garota Não interpretou quatro das suas músicas mais conhecidas – “422”, “Mulher Batida”, “Urgentemente” (com uma quase imperceptível mas muito significativa alteração da letra, trocando “ódio” por “chega”) e “Dilúvio” – antes de devolver o palco a Ela Vaz que cantou “Queixa das Almas Jovens Censuradas” naquele que terá sido o momento mais alto da noite, a Banda a tirar o maior partido da genialidade da música de José Mário Branco e a abrir espaço para a beleza e intensidade da poesia de Natália Correia. Seguiram-se dois temas que resultam da colaboração da cantora aveirense no novo trabalho discográfico de Toli César Machado, “Sul” e “Adeus Liberdade”, esta última com uma mensagem muito forte, a de que “os homens precisam sonhar”, brilhantemente ilustrada por Gabriel Manarte que assegurou os desenhos ao vivo e em tempo real que foram desfilando na tela ao longo da noite.

Entramos na recta final do concerto e é de novo A Garota Não a brindar o público com as suas tiradas assertivas – “se eu cantasse como ela [Ela Vaz] chegava aqui e só dizia boa-noite” – e a atrever-se a mergulhar no universo de Fausto com “Roupa Velha”. Anima-se a plateia, tornam-se audíveis as palmas a compasso e os corpos balançam ao sabor de “Lá No Xepangara” e “Canto Moço”, de Zeca Afonso. “Só temos mais duas músicas, por isso, agora, dêem tudo nas palmas, nos gritos e no ‘linda, és linda’, pede A Garota Não, arrancando gargalhadas à plateia. Primeiro, “Canção a Zé Mário Branco”, num arranjo que viu uma parte da banda a trocar os instrumentos por esse outro instrumento fantástico que é a voz e a juntar-se num afinado coro. Por fim, a loucura: bombos pela sala, muitas palmas, punhos erguidos e vivas à liberdade, ao som de “Eu Vi Este Povo a Lutar (Confederação)”. O público ergueu-se das cadeiras, juntando a sua à voz das cantoras num tema com direito a “bis”. Nos 190 anos da Banda Amizade, Abril e os seus valores calaram bem alto nos corações de todos. “Bandeira vermelha / Bem alevantada / Ai minha senhora / Que linda desfilada”.

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