CONCERTO: “Um Par de Botas”
Com Nena e Joana Almirante
Centro de Artes de Ovar
13 Dez 2024 | sex | 21:30
Algures na juventude, terá havido um momento em que a música country tomou conta dos nossos corações. Recordo os discos da Patsy Cline, do Willie Nelson ou do Don Williams a rodarem de manhã à noite no gira-discos lá de casa, o “Crazy”, o “Georgia on My Mind” ou o “I Recall a Gipsy Woman” escutados até à exaustão. Género musical que carrega consigo a história da América, o country tem na sua forma única de contar histórias, nas baladas dançáveis, na riqueza de sonoridades onde cabem o banjo, a harmónica ou o violino e num imaginário que, no seu todo, abarca índios e cowboys, as vastas extensões planas do Tennessee, da Virginia ou do Kentucky, longas caravanas a caminho do oeste e saloons repletos de energia, juventude e beleza, todo um manancial inesgotável de temas que se foram constituindo, por direito próprio, em marcos inquestionáveis da história da música. Daí que tenha sido surpreendente ver Nena e Joana Almeirante pisarem o palco do Centro de Artes de Ovar, trazendo consigo um conjunto de propostas que, para além dos seus originais, chamaram a música country para primeiro plano. Uma grata surpresa, devo dizer, que fez da noite da passada sexta feira um momento de festa e animação, de partilha de histórias e avivar de memórias.
“Diz-se aí que o country não é só música, é a arte de contar histórias. Diz-se aí que quem canta country leva na voz a vida que já viveu. Diz-se aí que tudo começou nas estradas de terra sem fim, lá longe, no Nashville, onde o som do banjo e da guitarra se encontram. Diz-se aí que o country tem um poder especial que faz-nos chorar, desde o quarto da infância até este palco. E nós vamos contando histórias à nossa maneira.” Como uma carta de intenções, as palavras quase sussurradas de Nena e Joana Almeirante disseram ao que vinham. Entraram em palco abrindo de par em par as portas do “saloon”, pousaram os chapéus nas respectivas ombreiras, pegaram nas suas guitarras, sentaram-se no meio dos músicos e começaram a cantar. “Mera Ilusão” - “tu só foste uma mera ilusão / e sem dó declaraste / guerra aberta ao meu coração” -, a primeira canção que Joana Almeirante escreveu na vida e aquela que a fez encontrar a sua identidade musical, foi o tema escolhido para abrir o concerto, logo seguido de “É o que é”, uma música que pôs toda a gente a cantar o refrão. Um cheirinho de country perpassava já no ar, mas foi com “You’re So Vain”, de Carly Simon, que o género tomou conta da sala, afirmando-se, pela alegria e ritmo, em dois dedos de conversa e muita e boa música.
Ao longo de uma hora e meia, houve “Jolene” da Dolly Parton e “Landslide” dos Fleetwood Mac, “Please, Please, Please” de Sabrina Carpenter e “Country Roads” de John Denver. Houve “Bem Me Quer”, canção que lançou a carreira de Joana Almeirante, “Portas do Sol”, o tema que faz de Nena uma das mais conhecidas cantoras da actualidade e alguns portentosos solos de guitarra de Joana Almirante. Mas houve também as malandrices do Mick Jagger, festas de empresa e a Sónia das cópias, croquetes e baba de camelo, as mais de trezentas perucas da Dolly Parton (e talvez outras tantas do Miguel Araújo), um olá a Santa Maria da Feira (e outro olá a Lisboa), um dueto na Casa da Música, uma prima que se recusou a subir ao palco, estrelas alinhadas e um par de botas. João Gusmão na guitarra e no banjo, Nuno Mendes no baixo eléctrico e Gonçalo Ribeiro na bateria foram os músicos que acompanharam as duas artistas em palco, fazendo deste o primeiro concerto com banda do projecto. Um projecto feito de coisas simples, da união das pessoas certas e da combinação harmoniosa de duas vozes perfeitas. A plateia soube aplaudir todos os momentos de uma bela noite, correspondendo em energia e afinação, com muitas palmas a compasso, pézinhos de dança e gargantas ao rubro a entoarem “vim até aqui por meu pé”. E pelo seu pé se foi, com Dolly Parton no coração e a cantar “You’re the one that makes it all worth while / You’re the one that taught me how to smile / Darlin’, you’re the highlight of my life”.
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