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sábado, 2 de novembro de 2024

CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #88



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #88
Apresentação | Tiago Alves
Com | António Pinhão Botelho, Silvana Torricella, Pedro M. Afonso, Leonor Silveira, João Delgado Lourenço
Escola de Artes e Ofícios
150 Minutos | Maiores de 14 anos
31 Out 2024 | qui | 21:30


Em noite de Halloween, o Shortcutz Ovar regressou ao convívio do público para mais uma sessão de género. Com o medo à espreita, entre o thriller, o drama psicológico, o fantástico e o terror, o programa teve para oferecer três curtas-metragens com vários pontos de contacto entre si, nomeadamente essa piscadela de olho à arte dos grandes mestres do género e, de passagem, a um conjunto de temas aos quais a sociedade teima em virar as costas e que surgiram aqui, um tanto ou quanto inesperadamente, a levantar questões e a suscitar o debate. Debate por vezes acalorado, como aconteceu com “Maelstrom”, o derradeiro filme exibido e que o público viria a eleger como o melhor da sessão. A noite fica ainda marcada pela presença de Leonor Silveira, figura principal no filme “Blackpot” e uma personalidade indissociável da história do Cinema Português, “musa” de Manoel de Oliveira, amada pelo público e referência maior de toda uma geração de actores e realizadores portugueses.

“Blackpot”, de António Pinhão Botelho, foi a primeira curta-metragem exibida e levou o público ao encontro de Gulliver e Armador, dois criminosos que procuram ascender na hierarquia da organização à qual pertencem ao absorver e acumular as posições, identidades e géneros das suas vítimas. A partir de uma novela policial de Dennis McShade (Dinis Machado), o filme reflecte a perspicácia e desenvoltura de um argumento que acompanha o movimento das personagens como se de lances de xadrez se tratasse, cada uma das “peças” revelando o seu valor e qualidades, a sua estratégia e audácia. Homenagem do realizador ao “film noir” e aos seus cultores - Fuller, Brian de Palma, Tarantino e outros - “Blackpot” é um divertimento inteligente, disposto a fazer as delícias dos amantes do género. As personagens são outro dos grandes trunfos do filme, com Rita Cabaço, Pedro Lacerda e Leonor Silveira irrepreensíveis em papéis de grande exigência, repletos de diálogos intensos e de uma forte presença física.

Silvana Torricella mostrou “O Abafador”, uma primeira obra que foi o seu projeto final de mestrado na ESMAD. Com João Cachola, Maria Leite e Jorge Mota no elenco, o filme persegue o dia a dia de Vicente, um assassino profissional contratado para pôr cobro ao sofrimento de doentes terminais. Fortemente inspirado no conto “O Alma-Grande”, de Miguel Torga, o filme (re)abre o debate sobre a eutanásia - em particular em doentes de Alzheimer e Demência - e no que pode significar para famílias e cuidadores. Num país em que são muitas as portas que se fecham e muitas mais aquelas que nunca chegam a abrir-se, Silvana Torricella quis partilhar a sua visão sobre uma matéria controversa, oferecendo à personagem de Vicente um toque de humanidade (nos seus dilemas, no seu desamparo e desespero), algo que Torga não fez com a figura do Alma-Grande, arquétipo de insensibilidade e desumanidade. Um filme corajoso e que convida a “trabalho de casa”.

Conjugação das palavras “malen” (moer) e “stroom” (corrente), “Maelstrom” tem origem neerlandesa e serviu de título ao filme de Pedro M. Afonso, exibido a fechar a sessão. Num ambiente tóxico, sujeito à lei do mais forte, acompanhamos uma história marcada pela violência de género e pelo feminicídio. Quando os indicadores dão conta, no período de Abril a Junho de 2024, de 7738 ocorrências de violência doméstica em Portugal (mais 12,49% que no trimestre anterior), o realizador quis juntar a sua, às vozes de denúncia para um problema sem fim à vista. Na figura de Chico, encontrou “a forma mais repugnante para abordar um assunto repugnante” e que considera “um fenómeno crescente, ligado à ascensão dos movimentos de extrema direita”. Influenciado pelo cinema de Panos Cosmatos e pela linguagem techno-pop dos anos 80, Pedro M. Afonso esticou ao limite a sua linguagem, com a controvérsia a instalar-se no período aberto à discussão com o público. Ame-se ou odeie-se, “Maelstrom” é daqueles filmes que não deixam ninguém indiferente.

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