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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "As Veias Abertas"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “As Veias Abertas”,
de Aaryan Sinha, Amina Kadous e Olga Sokal
Curadoria | Vítor Nieves
Encontros da Imagem de Braga 2024
SOMA — Plataforma Cultural, Braga
20 Set > 03 Nov 2024


Os projetos de Aaryan Sinha, Amina Kadous e Olga Sokal, finalistas do Emergentes 2023, são reunidos nesta exposição por se alinharem perfeitamente com o tema central da presente edição dos Encontros da Imagem. Do conjunto de imagens apresentadas no extraordinário espaço SOMA, uma novidade nesta edição dos Encontros, emergem histórias pessoais e familiares que nos convidam a refletir sobre as continuidades e rupturas das dinâmicas de poder e exploração, tanto em escala global quanto local. O caso português tem, nesta matéria, um bom exemplo na prospeção de minas de lítio em regiões afastadas dos centros de poder, o que evidencia como estas dinâmicas de exploração também se desenrolam em contextos locais. Recorde-se que este fenómeno foi abordado por Silvy Crespo na sua exposição “The Land of Elephants”, apresentada no Edifício do Castelo durante os Encontros da Imagem em 2021. Crespo evidenciou como estas áreas, frequentemente distantes das grandes cidades e dos centros de decisão, são escolhidas para a extração de recursos, perpetuando uma espécie de colonialismo interno que se reflete nas disparidades regionais e na marginalização das populações locais.

A obra de Aaryan Sinha, “This Isn’t Divide and Conquer” posiciona-se no seio do pensamento pós-colonial, explorando um dos conflitos mais persistentes e dolorosos da história contemporânea da Índia e do Paquistão. O projeto emerge das raízes familiares de Sinha, desenvolvendo-se ao longo de uma viagem pelos cinco estados indianos que fazem fronteira com o Paquistão. Através da fotografia, o autor busca compreender como os eventos históricos, particularmente a Partição de 1947, moldaram a paisagem e a identidade em constante transformação do povo indiano. O título da obra faz referência à estratégia colonial britânica de “dividir para conquistar”, que fomentou divisões religiosas para enfraquecer a resistência ao domínio imperial. No entanto, Sinha vai além de uma mera denúncia histórica, ao sugerir que estas táticas de divisão estão longe de serem factos do passado. Lembrando a polarização de vastas comunidades religiosas pelo actual governo de direita na Índia, o artista oferece uma poderosa contra-narrativa ao reviver de forma inquietante as mesmas dinâmicas de poder que promovem a fragmentação social e reforçam os mecanismos de controlo de uma vasta nação.

O trabalho de Amina Kadous, “White Gold”, deambula na intersecção entre as histórias pessoais e a vasta teia de dinâmicas económicas e políticas que moldaram e continuam a moldar o Egipto. O algodão egípcio, muitas vezes referido como “ouro branco”, simboliza a riqueza natural do país, mas também as complexas relações de poder que o cercam. Durante o período colonial, o extrativismo foi imposto como uma ferramenta de dominação e exploração, e, após a independência, essa lógica de controle não desapareceu; foi antes apropriada e perpetuada por oligarcas nacionais, que passaram a responder aos interesses de um capitalismo globalizado. Kadous utiliza a história do algodão como uma metáfora para explorar a identidade egípcia, tanto no plano pessoal quanto no coletivo. A história da sua família, enraizada na indústria têxtil de El Mehalla Al Kobra, reflete as transformações que o Egito sofreu ao longo do tempo. O algodão, tal como a própria Kadous, foi arrancado das suas raízes, processado, transformado e inserido numa dinâmica global que frequentemente ignora as implicações humanas e culturais dessa extração. Em “White Gold”, a artista questiona o que resta dessa “semente humana”, refletindo sobre o que foi perdido, o que ainda persiste e o que poderia ter sido.

“Black Stone Burns”,  de Olga Sokal, é uma investigação sobre as dinâmicas pós-coloniais no contexto local que reflete o impacto da extracção de carvão em comunidades ao redor do mundo. Este trabalho, que parte da história familiar e da vila natal da artista em Belchatow, na Polónia, estende-se por cinco países em três continentes, revelando como a exploração do carvão, longe de ser uma prática antiga, continua a ser uma força motriz do capitalismo global, com consequências devastadoras para as pessoas e o ambiente. Em Belchatow, onde as minas de carvão atravessaram a história da família da artista, a dinâmica de recolonização interna é evidente. A exploração do carvão, inicialmente uma fonte de sustento e orgulho, tornou-se um símbolo de degradação ambiental e social, deixando cicatrizes profundas na terra e na comunidade. Quando as pedras pretas são extraídas e o trabalho árduo é retirado, o que resta é mais do que terras devastadas; são comunidades fragmentadas e identidades esvaziadas. Através das lentes de Sokal, o carvão deixa de ser apenas uma “pedra preta” e torna-se um símbolo da luta contínua contra as dinâmicas de poder que persistem na era pós-colonial.


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