Páginas

terça-feira, 15 de outubro de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Orixe"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Orixe”,
de Glorianna Ximendaz
Curadoria | Vítor Nieves
Encontros da Imagem de Braga 2024
Palácio do Raio
06 Set > 03 Nov 2024


Nascida em San José, Costa Rica, em 1992, Glorianna Ximendaz destaca-se como uma fotógrafa e poliactivista cujo trabalho reflecte “uma busca pela justiça social e uma profunda conexão com as histórias pessoais e coletivas de resistência e superação”. O projecto “Orixe” – vencedor do XI Prémio Galiza de Fotografia Contemporânea, o reconhecimento mais prestigioso na sua área no vizinho país do Norte – enquadra-se perfeitamente neste contexto, acrescentando-lhe um cunho profundamente pessoal, ao encontro das histórias de abuso e violência sofridas pelas mulheres, incluindo as da família da própria artista. Para a autora, a série “Orixe” não é apenas uma narrativa visual, mas também um acto de resistência e uma declaração de existência. Ximendaz utiliza a fotografia como uma ferramenta para desafiar as normas sociais, derrubar estruturas opressoras, fomentar a cura e o empoderamento, e celebrar a força e a resiliência das mulheres. O projecto visa iniciar diálogos, consciencializar para o problema e ajudar a desmantelar os sistemas que perpetuam a violência machista.

Com uma aprendizagem de luta pelos direitos das pessoas que lhe transmitiram os seus avós, Ximendaz usa a sua câmarа como instrumento de luta. Em paralelo à produção artística, o seu desempenho como fotojornalista é um trabalho comprometido, marcado por um esforço constante para dar voz a quem constantemente é negligenciada(o). A artista iniciou este projecto de uma maneira algo inconsciente, estabelecendo ligações entre as experiências de abuso que sofreu e as narrativas encriptadas presentes no seio familiar e que, de certa forma, a marcaram desde a nascença. Este entrelaçar de histórias pessoais e colectivas proporcionou um terreno fértil para a criação artística. Através do “collage”, a autora ressignifica as imagens, recupera a memória e (re)conta a história das suas ancestrais, tornando públicas e universais as experiências pessoais e familiares. As suas imagens não procuram a excepcionalidade, mas sim a repetição, a proliferação, a multiplicidade e a expansão, em que fragmentos dispersos são reunidos para criar novas imagens e significados.

No trabalho de Glorianna Ximendaz, materiais vernáculos de álbuns de família, da grande internet e do seu próprio arquivo são manipulados, fragmentados e intervencionados como forma de distorcer a cronologia e unificar as histórias de cinco vozes distintas numa narrativa só. Este método enfatiza a universalidade do discurso, transcendendo o âmbito individual para atingir uma dimensão coletiva. Ximendaz interliga habilmente as histórias das cinco mulheres, cada uma delas representando uma dimensão diferente relacionada com as distintas lutas dos feminismos. Bisavó, mãe, trisavó, avó e a própria autora corporizam as trajetórias percorridas pelos movimentos feministas nas últimas décadas. Tópicos como o poder patriarcal, os privilégios inerentes à masculinidade normativa e de classe, a ocultação e transmissão de violências no âmbito familiar e social, as penalizações impostas às mulheres que desafiam a ordem patriarcal, a exigência de padrões de beleza opressivos, a violência obstétrica e a sexualidade forçada, são abordados nas imagens de Ximendaz, acentuando a multiplicidade e complexidade das experiências femininas.

Entre os muitos aspectos significativos desta exposição, reveladores do poder da sua mensagem, encontramos uma abordagem do desretrato, no qual a artista opta por mutilar as fotografias em vez de as descartar directamente, como uma forma catártica de transformar a raiva e a dor em expressão material. Ximendaz emprega técnicas digitais e manuais, como pintura e queima de imagens, para intervir nas fotografias. Estas intervenções, que podem ser percebidas como destrutivas, desempenham um papel duplo: são um meio para a artista se aproximar do desmantelamento do sistema patriarcal, curando a dor e a memória; e servem para criar imagens iconoclastas que desafiam, desestabilizam, e até ridicularizam, o poder. Isto é evidente no retrato de um conhecido fotógrafo argentino, implicado em inúmeros casos de abuso das suas assistentes e alunas; e na representação do ditador Tinoco, cujo discurso contribuiu significativamente para o elevado índice de feminicídios na Costa Rica e para quem uma das antepassadas da autora trabalhou. Esta critica estende-se facilmente ao atual presidente do pais caribenho, Rodrigo Chaves Robles, conhecido pelas denúncias de assédio sexual.

Sem comentários:

Enviar um comentário