LIVRO: “A Vida Não é Útil”,
de Ailton Krenak
Pesquisa e organização | Rita Carelli
Edição | Eurídice Gomes
Ed. Objectiva, Novembro de 2020
“O combustível fóssil, do qual o mundo depende hoje, já deveria ter sido abandonado na década de 1990 - todos os relatórios da época o diziam. De lá para cá, aumentou de maneira impressionante a quantidade de coisas fabricadas a partir do petróleo. Temos, desde o fim de 1970, início de 1980, informação sobre a destruição da camada de ozono. Como é que somos avisados de que estamos a furar o tecto do céu e o máximo que conseguimos fazer é trocar de frigorífico?”
Ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro, Ailton Alves Lacerda Krenak é amplamente celebrado como um dos maiores líderes do movimento indígena brasileiro. Respeitado internacionalmente pelo seu activismo em prol dos direitos dos indígenas e da preservação ambiental, foi o primeiro indígena eleito para a Academia Brasileira de Letras e ficou conhecido por pintar o rosto de preto no Congresso Nacional Brasileiro, em 1987, como forma de protesto na defesa das causas indígenas na Assembleia Constituinte. O seu legado abrange não apenas uma vasta produção literária, onde se contam títulos como “Ideias para adiar o fim do mundo”, “O Amanhã Não está à Venda”, “Futuro Ancestral”, “O lugar onde a terra descansa” e “Firmando o pé no território”, mas também a sua luta incansável pela justiça e reconhecimento dos povos indígenas no Brasil e em todo o mundo. Do lugar de onde vive, “um abismo” nas margens do Rio Doce que é a “pátria” do povo Krenak, chegam-nos as suas vivências e reflexões através de “A Vida não é Útil”. Um livro que importa.
“A ecologia nasceu da preocupação com o facto de que o que buscamos na Natureza é finito, mas o nosso desejo é infinito, e, se o nosso desejo não tem limites, então vamos comer este planeta todo.” São várias as ideias que convergem numa chamada de atenção para a destruição do planeta e para o desastre anunciado. Do seu ponto de observação no Estado de Minas Gerais, Ailton Krenak fala de uma atitude “caótica e predatória” em relação aos recursos ambientais, de um mundo que está a desaparecer a cada dia e de uma ideia de concentração de riqueza que atingiu um clímax. Denuncia o capitalismo, interessado em vender a ideia de que podemos reproduzir a vida e, inclusivamente, reproduzir a Natureza, ao mesmo tempo que lamenta o modo de vida ocidental, exímio na formatação do mundo como uma mercadoria e fazendo com que uma criança crescida dentro desta lógica viva a existência como se de uma experiência total se tratasse. Perde-se, assim, aquilo que o pensador designa por ideia de “eu sou a Natureza”, a interacção do corpo com o que o rodeia, a consciência da proveniência daquilo que comemos, do ar que respiramos.
O facto de muitas das observações contidas no livro terem sido produzidas em plena pandemia de COVID-19 eleva o seu significado e interesse. Chega a ser irónico lembrar que pode chegar a altura em que a nossa dependência de uma máscara ou de um aparelho para respirar seja total, mas que, por sua vez, o aparelho dependa de “uma central hidroelétrica ou nuclear ou de um gerador de energia qualquer nalgum lugar” e que o gerador pode também desligar-se, independentemente do nosso decreto ou da nossa disposição. Não há forma mais clara e simples de expor a nossa vulnerabilidade, de sermos lembrados que morreremos se nos cortarem o ar por alguns minutos apenas. Albert Camus, Domenico De Masi, Michel Foucault, Sidarta Ribeiro, Suely Rolnik ou David Wallace-Wells são alguns nomes cujas palavras corroboram o pensamento de Ailton Krenak, o qual se alimenta, igualmente, das ideias dos seus ancestrais: “Quando o último peixe estiver nas águas e a última árvore for removida da terra, só então o Homem perceberá que não consegue comer o seu dinheiro.”
Sem comentários:
Enviar um comentário