LIVRO: “Mulher, Vida, Liberdade”
Coordenação | Marjane Satrapi
Título original | “Femme, Vie, Liberté”, © Editions de l’Iconoclaste, Paris
Tradução | Sofia Fraga
Edição | Amaia Iglesias
Ed. Iguana, Outubro de 2023
“Mahsa Jinâ Amini foi atingida na cabeça com tanta força que entrou em coma… morreu três dias depois. A Polícia da República Islâmica declarou que Mahsa tinha morrido na sequência de uma “paragem cardíaca”. Os meios de comunicação social pró-regime afirmaram que a jovem tinha problemas de saúde desde a infância. Porém, a narrativa do regime foi rapidamente posta em causa pela família de Mahsa e por numerosas testemunhas, incluindo os médicos do Hospital. O pai de Mahsa afirmou: ‘A minha filha não tinha problemas de saúde, eles destruíram a minha filha. Conto-o a toda a gente. Eles têm de ser responsabilizados’. A mãe acrescentou: ‘Mataram o meu anjo’.”
Ao final da tarde do dia 13 de Setembro de 2022, Masha Amani foi detida pela polícia dos costumes do Irão por, alegadamente, “trazer o véu mal colocado”. Levada para a esquadra, foi brutalmente espancada ao ponto de não resistir às agressões e acabar por morrer três dias mais tarde. A notícia da morte da jovem de 22 anos espalhou-se rapidamente através das redes sociais. Algumas jornalistas mais corajosas partilharam imagens da família no Hospital onde Mahsa acabou por morrer ou do cortejo fúnebre em Saqquez, a sua cidade natal, que acabaria por se converter numa gigantesca manifestação contra o regime dos ayatollas. Estava em marcha o movimento “Mulher, Vida, Liberdade”. Nesse e nos dias seguintes, os protestos repetiram-se em praticamente todas as cidades do Irão e a repressão não se fez esperar, acarretando um conjunto de violações graves dos direitos humanos. Uma investigação independente das Nações Unidas revela que o uso dessa força, “desnecessária e desproporcional” em protestos, em grande parte pacíficos, resultou em assassinatos ilegais e ferimentos de manifestantes, provocando 551 mortes, entre as quais pelo menos 49 mulheres e 68 crianças.
Incapazes de calar a revolta, também os iranianos da diáspora fizeram questão de juntar a sua voz à daqueles que corajosamente enfrentaram a polícia, tiraram os véus e gritaram “morte ao ditador”. Marjane Satrapi, autora da saga autobiográfica em banda desenhada “Persépolis”, foi uma das muitas personalidades empenhadas em denunciar o regime ditatorial e corrupto que dirige com mão de ferro os destinos do Irão, servindo-se daquilo que melhor sabe fazer: escrever e desenhar. Mas não esteve sozinha nesta visão histórica e política do país que a viu nascer. Pegando na ideia de Sophie de Sivry, alma da editora l’Iconoclaste, trabalhou directamente com o politólogo Farid Vahid, o jornalista Jean-Pierre Pérrin e com o historiador Abbas Milani. Entre si repartiram a responsabilidade pelos conteúdos, ficando o cuidadoso trabalho de edição a cargo de Alba Beccaria. Marjane Satrapi encarregou-se, ela própria, de desenhar a capa e um ou outro desenho no interior do livro, entregando a grande maioria das bandas desenhadas ou ilustrações a cerca de uma vintena de ilustradores iranianos, espanhóis e franceses. De forte impacto visual, o resultado é assombroso, elevando o valor do povo iraniano e pondo a nu a arbitrariedade, intolerância e brutalidade de uma minoria que o governa.
Dividido em três grandes capítulos, “Mulher, Vida, Liberdade” dedica uma parte importante dos seus conteúdos aos acontecimentos em torno da morte de Mahsa Amini, nomeadamente o surgimento do slogan e a forma como se espalhou e galgou as fronteiras do Irão. Outro capítulo importante prende-se com “Barâyeh”, o hino do movimento, da autoria de Shervin Hajipour, um jovem cantor iraniano. As ilustrações são de Shabnam Adiban, uma iraniana de 33 anos que vive em Toronto desde 2019 e que, ao mesmo tempo, realizou uma curta metragem de animação absolutamente maravilhosa. A vida na sinistra prisão de Evin, espelho do horror do regime, o massacre de Zahedan ou as execuções sem culpa formada de participantes nos movimentos de contestação, são alguns dos capítulos mais intensos e dramáticos do livro. Nos “rostos para a posteridade” rende-se homenagem aos “filhos da liberdade”, aos muitos que deram a sua vida ou sofreram horrores nas prisões do regime por exprimirem o seu desejo de um país justo e livre. Na sua forma simples de dizer as coisas as mais complexas, “Mulher, Vida, Liberdade” mostra ao mundo aquilo que se está a passar no Irão neste momento e representa um “humilde contributo pela liberdade que os iranianos tanto merecem”.
NOTA: Já depois do livro ter sido publicado, Mahsa Jinâ Amini e o Movimento Mulher Vida Liberdade foram galardoadas com o “Prémio Sakharov 2023 para a Liberdade de Pensamento”. Nomeado em homenagem ao físico e dissidente político soviético Andrei Sakharov e atribuído anualmente pelo Parlamento Europeu, o Prémio foi criado em 1988 para homenagear indivíduos e organizações que defendem os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
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