CINEMA: “Ryuichi Sakamoto Coda” / “Ryuichi Sakamoto: Coda”
Realização | Stephen Nomura Schible
Argumento | Stephen Nomura Schible
Fotografia | Tom Richmond, Neo S. Sora
Montagem | Hisayo Kushida, Yûji Ohshige
Interpretação | Ryuichi Sakamoto, Haruomi Hosono, Yukihiro Takahashi, Jacques Morelembaum, Judy Kang
Produção | Eric Nyari, Stephen Nomura Schible
Japão, Estados Unidos | 2017 | Documentário, Música | 100 Minutos | Maiores de 12 anos
UCI Arrábida 20 – Sala 4
23 Ago 2024 | sex | 14:00
Ryuichi Sakamoto faleceu no ano passado, aos 71 anos, vítima de doença prolongada diagnosticada uma década antes. Foi em 2017, quando o músico ultimava os preparativos de “async”, álbum que pode ser entendido como um reflexo do combate diário com a doença e que viria a ser o seu penúltimo trabalho a solo, que Stephen Nomura Schible realizou o documentário “Ryuichi Sakamoto Coda”. Do italiano “cauda”, secção com que se termina uma música, “Coda” remete para uma espécie de balanço da obra genial de Sakamoto, distribuída por quase uma centena de álbuns publicados, desde a sua participação no colectivo japonês Yellow Magic Orchestra, ainda na década de 1970, a um impressionante percurso a solo, às inúmeras colaborações com figuras incontornáveis da cena musical (David Sylvian, Jacques Morelembaum, Alva Noto ou David Bowie, entre muitos outros) e bandas-sonoras para filmes como “Feliz Natal, Mr. Lawrence”, realizado por Nagisa Oshima (1983), onde se inclui o incontornável “Forbidden Colours”, ou “O Último Imperador”, do realizador Bernardo Bertolucci (1987), pelo qual viria a receber o Óscar de Melhor Banda Sonora, juntamente com David Byrne e Cong Su.
Tal como o pianista, também o documentário começa e prolonga-se num piano. Mas não um piano qualquer. Nos momentos iniciais, encontramos Sakamoto face a um piano sobrevivente do terramoto seguido de tsunami que, em 2011, atingiu a zona costeira do Japão e provocou um terrível acidente na central nuclear de Fukushima. O músico tinha curiosidade em perceber o som de um piano que tinha estado parcialmente submerso e que, também ele, cumprira uma jornada pessoal. O resultado emocionou-o: “É como tocar com o cadáver de um piano que se afogou”, referiu, sem que se perceba qualquer traço de rejeição ou censura na sua voz, antes a constatação de estar perante um piano “reafinado pela natureza”. Sabemos que todos os pianos são construídos industrialmente a partir de tábuas de madeira e, ao ouvido humano, necessitam com frequência de afinação, o que leva Sakamoto a afirmar ser esse “um processo que resulta, muito simplesmente, da natureza da matéria-prima da qual o instrumento é feito, na sua tentativa de regressar ao estado original”.
“Ryuichi Sakamoto Coda” é tanto uma visão geral condensada e altamente seletiva da carreira de um músico de excepção e dos seus processos criativos, quanto um estudo íntimo de uma pessoa sensível, com uma profunda paixão pela pureza melancólica dos sons provenientes de fontes improváveis: a água a derreter no interior do gelo ártico, o cantar dos pássaros na floresta, um arco de violino a raspar num gongo, o som da chuva na cobertura da sua casa ou num balde enfiado na cabeça. O documentário mostra igualmente a sua faceta de activista ambiental, com ele a percorrer as terras contaminadas de Fukushima envergando roupas de protecção adequadas, a ouvir testemunhas oculares e a manifestar-se num comício contra a energia nuclear. A natureza intimista do documentário permite ao espectador mergulhar no mundo de Sakamoto e na sua demanda por um som perpétuo, um som que não se extinga, como uma “metáfora da eternidade”. Ficamos, enfim, com a citação favorita do filme “Um Chá no Deserto” (também de Bernardo Bertolucci, com música de Sakamoto), na qual Paul Bowles (autor do romance) faz um monólogo sobre a brevidade da vida e as suas possibilidades aparentemente ilimitadas. Eis a melhor forma de celebrar um músico cujos talentos garantem que continuará a viver por intermédio das suas obras, mesmo muito tempo depois de nos ter deixado.
Sem comentários:
Enviar um comentário