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sábado, 15 de junho de 2024

LIVRO: "Minha Senhora de Mim"



LIVRO: “Minha Senhora de Mim”,
de Maria Teresa Horta
Edição | Cecília Andrade
Ed. Publicações Dom Quixote, Abril de 1971 (3ª edição, Fevereiro de 2023)


“despidos meu amor
dos outros tarde
mas sedentos de esperança
sempre cedo”

Nono livro de poesia de Maria Teresa Horta, “Minha Senhora de Mim” foi editado em Abril de 1971 pela Dom Quixote, na colecção “Cadernos de Poesia”. A 3 de Junho desse mesmo ano, a editora foi objecto de um auto de busca e apreensão da obra por parte da PIDE, operação que se estendeu a todas as livrarias do país. A proprietária da editora, Snu Abecassis, foi advertida por César Moreira Baptista, subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, então ocupada por Marcello Caetano, de que a Dom Quixote seria encerrada caso voltasse a publicar qualquer obra da autora. Acusada de atentar contra “a moral tradicional da Nação”, Maria Teresa Horta foi perseguida e chegou a ser interceptada por três homens que a espancaram na rua.  Se trago para primeiro plano as vicissitudes por que passou “Minha Senhora de Mim” e a sua autora, é porque importa, ao pegarmos neste pequeno livro de capa vermelha, lembrarmos que a luta contra a ditadura se fez muito da palavra escrita e que, “por seu livre pensamento”, foram inúmeros aqueles que sofreram com a censura, tiveram as suas carreiras interrompidas, as suas vidas suspensas e foram alvo das mais variadas medidas intimidatórias, vexatórias e repressivas.

Conjunto de 59 poemas, “Minha Senhora de Mim” traz consigo, no próprio título, a expressão da liberdade e autonomia da mulher nas relações de género, face à moral e às convenções vigentes.  “Trago para fora / o que é secreto / vantagem de saudade / o que é segredo”, lê-se em “Regresso”, poema de abertura do livro, sendo clara a intenção de romper barreiras e quebrar tabus, rejeitando o lugar secundário que a sociedade reservava à mulher e o papel passivo que dela se esperava. Aqui, dar prazer é poder recebê-lo, tal como aceitar a submissão implica poder submeter. As vias são de “dois sentidos”, postulado sobre o qual devem assentar os princípios universais da igualdade entre homens e mulheres. É um livro feminista na verdadeira acepção da palavra - como não podia deixar de ser face à condição da autora, lutadora de uma vida pelos direitos das mulheres -, que assume com frontalidade e verdade o seu caracter, falando de dentro para fora com a certeza de quem sabe o que quer e a força de quem domina o que sente.

“Senhora de meu / silêncio / com tantos quartos fechados”. Centrados na mulher, os poemas despem-se de preconceitos e falam do corpo como fonte de desejo, sensualidade, erotismo e sexo. Libertar do silêncio palavras como “espasmo” ou “esperma”, ou exprimir as coxas entreabertas “no início dos teus beijos” ou “a raiva do punhal que enterras / no sol pastoso / do meu ventre” é afastar a mulher dos estereótipos que se lhe associam, é libertá-la da sua condição de inferioridade face a convenções racionais, morais e sociais, castradoras da manifestação do ser humano num contexto em que o corpo e o desejo foram alvo de uma censura que se prolongou muito para lá do dia inicial inteiro e limpo. Mas Maria Teresa Horta não se limita, de forma poética, a trazer para um plano primordial a sexualidade da mulher, antes fá-lo de forma imperativa, a mulher como ser activo que se arroga o direito de comandar a relação e indicar aquilo que o homem deve fazer no sentido de lhe agradar, ao mesmo tempo que toma a iniciativa e diz como agradar ao homem. Sexo e prazer são aqui faces de uma mesma moeda, prontos a abespinhar e enfurecer aqueles que vêm nele o acto de procriar e um pilar da relação de poder do homem sobre a mulher.

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