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sexta-feira, 14 de junho de 2024

CINEMA: "Manga d'Terra"



CINEMA: “Manga d’Terra”
Realização | Basil da Cunha
Argumento | Basil da Cunha
Fotografia | Patrick Tresch
Montagem | Basil da Cunha
Interpretação | Lucinda Brito, Nunha Gomes, Evandro Pereira, Gonçalo Ramalho, Eliana Rosa, Vera Semedo, Nuno Baessa, João Filipe, José Brasão
Produção | Palmyre Badinier, Nicolas Wadimoff
Suiça, Portugal | 2023 | Acção, Crime, Drama | 96 Minutos | Maiores de 14 anos
UCI Arrábida 20 – Sala 5
14 Jun 2024 | sex | 13:40


Basil da Cunha é um realizador marginal. O seu cinema movimenta-se nos bairros da periferia de Lisboa, zonas baças esquecidas pelos poderes públicos. Rotulados de violentos e desviantes, são espaços habitados por uma população com baixos níveis de escolaridade, taxas de desemprego superiores à média e deficitários em matéria de saneamento básico e na qualidade do espaço público. Bairros que sofrem os efeitos da gentrificação que exclui os mais frágeis do tecido urbano da capital e onde a complexidade das histórias e das lutas por direitos dos seus moradores é desconsiderada. Mas não é o precário, o inacabado e o indesejado que fazem mover o realizador, antes as solidariedades e processos criativos que brotam da ligação entre a matriz africana e os elementos da cultura portuguesa e que, através da dança, da gastronomia ou da música, se assumem num quadro de resistência individual, coletiva e intercultural, naquela que é “a cidade mais africana da União Europeia”.

À semelhança dos seus filmes anteriores, Basil da Cunha regressa à Reboleira, no concelho da Amadora, para nos dar a ver esta que é a sua terceira longa-metragem. Nesse lugar de engenho e criatividade, o português e o crioulo vivem de mãos dadas e o cartão de cidadão português, que grande parte dos moradores possui, transporta consigo histórias de viagens, dos próprios ou dos seus pais e avós. Num espaço de grande vitalidade, habitado principalmente por pessoas de origem cabo-verdiana e onde o homem branco só entra armado e com colete à prova de bala, vive Rosinha, uma jovem de 20 anos que saiu de Cabo Verde, deixando para trás os filhos. Viúva, longe da terra natal, emaranhada nas rivalidades entre aqueles que no bairro procuram ditar as suas leis e a violência quotidiana das instituições, a sua vida é tudo menos fácil. Num misto de carinho e desconforto, é no seio das mulheres da comunidade que encontra refúgio, mas o verdadeiro ponto de fuga da protagonista é a música. Rosinha é talentosa e sonha em vir a tornar-se numa cantora de sucesso.

Raramente encontramos uma tão grande coerência temática nas filmografias de cineastas contemporâneos. Por detrás desta quase obsessão em voltar sempre aos mesmos lugares, encontra-se o desejo de Basil da Cunha em mergulhar nos meios sociais de onde emergem as histórias que insiste em contar. No respeito pela integridade das suas personagens, o realizador percorre conscientemente um caminho feito de existências marcadas pela história e pelos abusos, aproximando-se delas com toda a humildade. A realidade retratada é muita dura, mas há nela lugar para a esperança. As personagens são sonhadoras, persistem e resistem, como fica claro ao vermos essa extraordinária Rosinha, interpretada por Eliana Rosa. Além de pivot desta história é ela quem abre a porta a Basil da Cunha para render homenagem à tradição musical de Cabo Verde, colocando uma nota de lirismo numa narrativa marcadamente realista. Mais um grande filme deste realizador suíço de origem portuguesa, a merecer cada vez mais a nossa atenção.

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