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sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

TEATRO: "Não Andes Nua Pela Casa"



TEATRO: “Não Andes Nua Pela Casa”,
de Georges Feydeau
Direcção e espaço | João Mota
Tradução | Luís Vasco
Figurinos | Carlos Paulo
Interpretação | Hugo Franco, Luís Garcia, Maria Ana Filipe, Miguel Sermão, Rogério Vale
Produção | Comuna Teatro de Pesquisa
60 Minutos
Teatro da Comuna
03 Dez 2022 | sab | 21:30


Depois de “A Casa de Bernarda Alba”, peça que marcou o fim da carreira de actor de João Mota, o Teatro da Comuna leva ao palco a sua 146ª produção, encenando Georges Feydeau e a sua comédia em um acto “Não Andes Nua Pela Casa”. Monsieur Ventroux, um deputado ambicioso e com um futuro promissor, sonha vir a ser Ministro. As intrigas políticas entusiasmam-no, as jogadas de bastidores são combustível para a sua vontade de subir cada vez mais alto, mas dentro de casa encontra um problema que se adensa e urge ultrapassar. Clarisse, a sua encantadora esposa, tem uma tendência inata para se exibir, expondo-se à janela em combinação ou passeando-se em pela casa, na frente do filho ou do criado Victor. E quando Monsieur Hochepaix, prefeito de Moussillon-les-Indrets e grande rival de Ventroux, vem a sua casa em busca de um favor para os seus eleitores, Clarisse surge de novo em “trajes menores”, provocando a fúria do marido. É no meio de um turbilhão de quid pro quos e de mal-entendidos que uma vespa decide entrar em acção.

Falar de coisas sérias a brincar será, porventura, a grande lição deste texto de Feydeau, escrito em 1911, mas que se mantém surpreendentemente actual. Para João Mota, Feydeau antecipa-se com esta peça “ao surrealismo, ao absurdo e ao ‘nonsense’, muito antes de aparecer Ionesco, Beckett e todos os outros”. Como que saída de uma comédia do absurdo, Clarisse confronta os políticos, o sistema social burguês em que vivem e as convenções que este lhes impõe. É ela que nunca se veste – chega mesmo a dizer que se recebesse a família real inglesa punha “apenas um roupão por cima” – e que tem uma posição crítica e política sobre a sociedade aburguesada “de maneira errada” em que vivem. Nos dias de hoje, “em que quase não existe aristocracia nem operariado”, a sociedade é quase toda composta por burgueses e milionários, mesmo que a classe mais baixa tenha cada vez menos poder de compra, referiu João Mota. Outro dos focos desta peça, para João Mota, reside no facto de retratar a “mediocridade dos políticos”.

“Não Andes Nua Pela Casa” decorre no mesmo cenário onde foi representada “A Casa de Bernarda Alba”, um espaço circular que remete quase para um circo, onde pontuam apenas uma mesa e duas cadeiras, uma cama, um sofá e uma enorme carpete. Uma porta, a entrada principal e uma janela, onde Clarisse passa o tempo a mostrar-se à transparência da luz, completam o cenário do espetáculo que remete para a vida real: “Porque, no fundo, se a gente for ver bem, a vida é uma comédia. A gente diz que é uma tragédia, mas se estivermos com atenção todos os dias percebemos que é uma comédia”, justificou João Mota. Para o espectador habituado ao peso do drama que sobre ele se abate na grande maioria das peças de teatro que nos são propostas hoje em dia, o absurdo e o humor de “Não Andes Nua Pela Casa” funcionam como um verdadeiro bálsamo. Se a teia deste nosso mundo é, em grande medida, forjada pela mesquinhez dos homens, a única certeza que temos é a de que mais vale rir do que chorar. E Feydeau mostra-nos isso.

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