“alla” já está na estrada. A digressão de lançamento do segundo álbum de originais de Surma teve início no passado dia 6, em Leiria e vai terminar no próximo sábado na Culturgest, em Lisboa. Entretanto, a compositora e multi-instrumentista esteve no Novo Ático do Coliseu do Porto, no passado domingo, e foi lá que, perante uma plateia de indefectíveis admiradores, apresentou o seu mais novo “rebento”. Conjunto de temas solidamente desenvolvidos, “alla” representa um crescimento significativo na forma como Surma constrói a sua música, quer de um ponto de vista conceptual, quer pelas formas e texturas com que a reveste e de cuja fusão resulta um todo poderoso, pleno de energia, vitalidade, harmonia e ritmo. Com João Hasselberg no contrabaixo e teclados e Pedro Melo Alves na bateria, Surma escancarou as portas do seu mundo e, entre dúvidas e certezas, mostrou os caminhos que a música pode abrir, haja para tanto paixão, talento, sensibilidade e inspiração.
Preenchendo o alinhamento do concerto, na sua quase totalidade, com temas do novo álbum, Surma quis vincar o quanto a aposta numa nova dimensão da sua música é para valer. No conjunto de dez temas interpretados no palco do Novo Ático, a artista fez questão de incluir “Maasai”, revisitando os primórdios de uma relação apaixonada e apaixonante com a música e deixando a mensagem do quanto “é importante não nos esquecermos de onde viemos”. Já no “encore” escutaríamos “Bregenset”, um dos temas mais intimistas do fascinante “Antwerpen”, o seu primeiro álbum. Mas era “alla” que ali falava mais alto e foi “alla” que nos foi dado a viver e sentir. Elegante e envolvente, “etel.vina” abriu o concerto da melhor forma, fazendo despertar a atenção para o calor que se derrame das suas linhas melódicas, em contraste com as tonalidades glaciais que revestem a generalidade dos temas do álbum anterior. Envolvente, positiva, carregada de boas sensações, Surma soube agarrar o público desde o primeiro acorde, preparando-o para o muito de bom que estava para vir.
“Nyanyana” ofereceu-nos um cheirinho de África, com as suas grandes extensões, onde correm, livres, búfalos e gazelas, girafas e gnús. Abro aqui um parêntesis para referir esse fenómeno chamado Pedro Melo Alves que, na bateria, ia chamando a si uma boa parte das atenções (mas isso são outros “quinhentos”). Resultante de uma parceria com Cabrita e Victor Torpedo, “Tous les nuages” é uma deliciosa incursão no reino da fantasia, um delírio, uma quimera assente em doces melodias que fazem vibrar todas as cordas da nossa emoção. Diferente de tudo o que escutámos antes e iremos escutar no que resta do concerto, “Aïda” é como um pequeno brinquedo que não apetece largar, um capricho em forma de música que se permite mudar de tom, de ritmo, como quem baralha e volta a dar para depois, batida a última carta, esboçar o leve sorriso de quem sabe que já ganhou. Viagem introspectiva, chegada ao coração, “Myrtise” constituiu um momento muito especial neste concerto, pela serenidade que dele se desprende, pela forma como nos envolve e aquece, como nos conforta.
Depois do já referido “Maasai”, Surma atacou da melhor forma a ponta final desta apresentação com o tema “Huvastï”, feito em colaboração com os dois músicos que com ela partilharam o palco. Vibrante e inspirada, a composição mostrou-se um convite à dança, à expressão de um sentir leve e livre, que muitos espectadores na sala não enjeitaram. Com “Did I drop acid and this is my ego death?” chegou, enfim, aquele que, numa perspectiva muito pessoal, constituiu o momento alto do concerto. Composto em plena “crise existencial”, de acordo com a própria Surma, o tema é um verdadeiro murro no estômago, a dor e o sofrimento a revelarem-se de forma crua, a tomarem conta de nós. De uma entrega incrível, de uma generosidade sem limites, “Did I drop acid (...)”é a prova provada da maturidade musical de Surma. “Islet”, o primeiro single deste novo álbum, foi como um bombom, algo que já faz parte de nós mas que sabe sempre bem saborear. O fecho ideal do concerto, reforçando a qualidade e significado de momentos tão intensos e desafiantes, estimulantes e plenos de sedução.
[Foto: Omnichord | https://www.facebook.com/omnichord.pt]
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