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sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

LUGARES: Mosteiro de S. Vicente de Fora


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LUGARES: Mosteiro de S. Vicente de Fora
Largo de S. Vicente, Lisboa
Horário | De terça-feira a domingo, das 10:00 às 18:00
Ingressos | Bilhete normal € 5,00; com visita guiada, bilhete normal + € 2,00


Não é, definitivamente, um dos locais mais turísticos de Lisboa, o que não significa que não mereça uma cuidada e atenta visita. Falo do Mosteiro de S. Vicente de Fora, que acolhe actualmente a Cúria do Patriarcado e cuja origem remonta a 1147 e ao cerco de Lisboa. Estamos no exterior, junto à entrada onde se encontram as bilheteiras e a loja do Mosteiro. A tarde está amena e as atenções parecem virar-se para o Catar onde, a esta hora, a selecção portuguesa está prestes a iniciar o último jogo da fase de apuramento do Campeonato do Mundo de Futebol contra a Coreia do Sul. Esse facto explica, provavelmente, que eu e a minha mulher sejamos os únicos visitantes que decidiram abraçar uma viagem de quase novecentos anos que promete levar-nos ao encontro do estilo maneirista, da segunda maior colecção de azulejos barrocos do mundo e do primeiro liceu da República Portuguesa, mas também do coração e vísceras de monarcas e consortes da dinastia de Bragança, de uma protecção muito especial contra terramotos, dos mais de três mil tubos do órgão da Igreja e, naturalmente, de Santo António de Lisboa. A Margarida e o Miguel serão, na próxima hora e meia, os nossos guias e, com a sua ajuda, partimos à descoberta deste que é um dos segredos mais bem guardados da capital.

Contextualizando historicamente a existência deste espaço, o Mosteiro de S. Vicente de Fora nasceu de uma promessa de D. Afonso Henriques durante o cerco a Lisboa: caso conseguisse conquistar a cidade, mandaria erguer um mosteiro dedicado a São Vicente, um santo muito venerado entre os moçárabes. Esse mosteiro foi fundado no mesmo ano, do lado de “fora” das muralhas da cidade e assim se justifica a toponímia do edifício. Mais tarde, em 1580, dava-se início à Dinastia Filipina, cuja grande obra deixada foi a reconstrução do Mosteiro de São Vicente de Fora. Este projeto teve como principais arquitetos Filippo Terzi, Juan Herrera e Baltazar Álvares, e é considerada a primeira grande construção Maneirista em Portugal, que serviu de modelo a outras edificações religiosas. No entanto, foi nos faustosos reinados de D. Pedro II e D. João V que se aplicou o rico recheio artístico decorativo que se pode observar actualmente, nomeadamente os mármores embutidos e os painéis de azulejos. O Mosteiro esteve ocupado por cónegos da Ordem Regrante de Santo Agostinho, desde a sua fundação até 1834, data da extinção das ordens religiosas. Neste período destaca-se a passagem de Santo António pelo Mosteiro, local onde viveu os seus primeiros tempos enquanto monge. No século XIX passa a pertencer ao Estado e nele é instalado o Liceu Gil Vicente, entre outros serviços estatais.

Entre os inúmeros motivos de interesse, começamos por ver a Cisterna, construção do século XII e principal vestígio do que resta do mosteiro medieval fundado por D. Afonso Henriques. Tinha como principal função armazenar a água das chuvas que seria utilizada nas lides domésticas do mosteiro. Entrada nobre do mosteiro, a Portaria também funcionou num curto período de tempo como capela privada do Patriarca D. José Neto. Foi ricamente decorada no século XVIII com mármores embutidos, uma pintura no tecto de Vicente Bacchareli e painéis de azulejos que retratam a reconquista cristã e a fundação do mosteiro, um dos quais muito curioso pelo erro histórico que ostenta.  Verdadeiro ex-libris do Mosteiro, a sacristia é ricamente decorada com mármores coloridos embutidos, do século XVIII, com motivos florais. Nas escavações ali realizadas foram encontrados túmulos antropomórficos pertencentes aos cruzados de D. Afonso Henriques. O Panteão Real dos Braganças é outro dos momentos altos da visita ao Mosteiro e foi mandado implantar por D. João IV para assim apropriar-se de forma simbólica da refundação dos seus antecessores. Neste panteão encontram-se os túmulos de quase todos os elementos da Dinastia de Bragança, à excepção de D. Maria I e D. Pedro IV.

Na antiga Sala do Capítulo, decidiu o Cardeal-Patriarca Manuel Gonçalves Cerejeira, em 1949, erguer o Panteão dos Patriarcas, cujo supervisor de obra foi Raul Lino. Nele é possível observar os túmulos de quase todos os patriarcas, desde D. Carlos da Cunha até D. José Policarpo. Filhos ilegítimos do rei D. João V, dois dos “Meninos de Palhavã” estão sepultados numa capela que toma o seu nome. Resultantes do processo de embalsamamento, aqui estão igualmente enterradas as vísceras de alguns dos nossos reis e rainhas da dinastia Bragança. O Mosteiro de São Vicente de Fora foi o primeiro espaço conventual onde Santo António entrou enquanto monge. Cumpriu o seu noviciado na Ordem Regrante de Santo Agostinho e acredita-se que o local da capela com o seu nome corresponda à localização da cela do santo no mosteiro medieval. Existem dois claustros a sul da Igreja que se encontram revestidos com painéis de azulejos barrocos. Estes retratam cenas profanas variadas, que foram inspiradas em gravuras francesas e constituem uma pequena parte dos 100.000 azulejos que se encontram espalhados pelo mosteiro e que fazem dele o segundo espaço com mais azulejos barrocos “in situ” do mundo. Ainda no campo da azulejaria, o Mosteiro integra uma coleção única de trinta e oito painéis de azulejos, cada um contendo uma fábula de La Fontaine. A visita guiada termina num terraço do Mosteiro voltado a poente, mas fica o convite a subir a uma das torres e a aceder a uma das mais belas vistas sobre a capital. A visita termina aqui, com o olhar a espraiar-se pelo espaço em volta até onde a vista alcança. O remate perfeito de um autêntico mergulho na história que foi, acima de tudo, uma extraordinária surpresa.

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