EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Armanda Passos - Pintura a Óleo em Retrospectiva”
Curadoria | Fabíola Passos
Centro de Exposições da Fundação Champalimaud
16 Nov > 31 Dez 2022
Por estes dias, visitar o Centro de Exposições da Fundação Champalimaud constituirá, seguramente, uma experiência impactante aos mais diversos níveis. Desde logo porque esta é uma oportunidade rara de conhecer um conjunto de trabalhos representativos do talento, originalidade e fantasia de Armanda Passos e que, guardados em acervo no seu espólio ou pertença de colecções públicas e privadas, só um ano após o desaparecimento da pintora se reúnem e ganham visibilidade aos olhos de todos. Mas também por dois aspectos que, parecendo acessórios, dão aqui mostras do quão essenciais, afinal, são. Por um lado, é evidente a enorme sensibilidade e cuidado na forma como as pinturas se apresentam, agrupadas em painéis que são, em si mesmos, um exercício de engenho e criatividade, oferecendo um espectáculo babélico, intrigante e provocador, paradoxalmente harmonioso e pleno de graça, convocando uma infinidade de leituras que são, em si mesmas, prova maior da criatividade e genialidade de Armanda Passos. E há, depois, a arte de iluminar a arte, aspecto tão pouco cuidado nos nossos museus e galerias, e que é aqui evidenciada em níveis de excelência, permitindo ao visitante a fruição plena das obras, da luz que irradiam, das suas cores, da sua vida.
Subjugado pela dimensão, significado e beleza da obra de Armanda Passos, é para mim um mistério constatar que ela seja tão pouco conhecida. Em matéria de experiência pessoal, o único contacto “robusto” com o trabalho da pintora datava do passado mês de Julho, durante a visita que fiz ao espaço dedicado que possui na sua terra natal, Peso da Régua, resultante da cedência de parte do seu espólio ao Museu do Douro. Logo aí tinha ficado “de queixo caído”. O tratamento dado à mulher, ou àquelas figuras que nos parecem ser mulheres, revelava-se em louvor e fascínio sob a forma de desenhos a tinta-da-china, guaches, óleos, gravuras e serigrafias. As mais de oitenta telas que podem agora ser vistas na Fundação Champalimaud reforçam e ampliam esse emaravilhamento. Elas são genuinidade e transparência, candura e autenticidade, graça e leveza, inocência e virtude, simplicidade e pureza. São eixo e centro de um “planeta” irreal, simultaneamente orgânicas e etéreas, que se movimentam e dialogam numa atmosfera de paz e harmonia. A mesma paz e harmonia que se derrama das telas e nos invade, nos preenche por completo, nos sabe bem e nos faz tão bem.
Estendo o olhar em volta e faço-o pousar no padrão garrido de um lenço à volta do pescoço de uma mulher, nuns dedos das mãos como se de dedos dos pés se tratasse, num ser bípede com cabeça de peixe e corpo de tatu (?), nos olhares vivos e atentos ao que se passa na distância, nuns lábios muito finos e estreitos, muito bem desenhados, num ser semelhante a um réptil sorridente que repousa no colo de uma destas mulheres, nas máscaras venezianas que cobrem parcialmente alguns rostos, na mulher seminua que repousa rodeada de peixes. Mas será que são peixes e répteis? E será que são mulheres? Congregando, num mesmo espaço e tempo, seres antropomórficos e zoomórficos, o “bestiário” de Armanda Passos é daqui e de agora? Se aqueles seres falam, o que dirão uns aos outros? Eles, que nunca nos olham, o que pensarão de nós? Que mundo, afinal, é este que a pintora tão delicadamente nos mostra? É com estas inquietações que viajamos entre telas, as questões a assaltarem-nos, sempre. Certeza, apenas a de que só uma pessoa extraordinária seria capaz de criar tão extraordinário mundo. Um mundo melhor, vertido em beleza e harmonia, onde os olhares nos encantam e confortam. Onde a voz e o gesto exaltam os sentidos e nos afagam a alma. Onde a bondade dos outros faz emergir a nossa própria bondade.
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