EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “No Teatro das Emoções”,
de José Emídio
Galeria Eritage, Lisboa
17 Nov 2022 > 12 Fev 2023
Uma tarde cálida de Outono, uma caminhada à beira Tejo, o regresso pelas Janelas Verdes. Entre gente apressada, azulejos coloridos, semiótica urbana da mais pura e um magnífico pôr do sol no miradouro fronteiro ao Museu Nacional de Arte Antiga, algo me desperta a atenção. Do outro lado da rua, por detrás das vidraças da Galeria Eritage, é a cor que me chama. Cor que é vida, cor que aquece, como num quadro de Gauguin. Entro e é como se entrasse para dentro de mim. Toca-me a familiaridade dos tambores e bandolins nas paredes, dos brinquedos de madeira, da espingardinha, de uma máscara indígena, dos pequenos quadros, de alguns pratos pintados. Nas histórias simples que contam, nos tempos felizes que convocam, são como um despertador de memórias. São, enfim, um convite a espreitar o “teatro das emoções” de José Emídio, esse teatro multicolorido, espécie de sonho acordado onde cabem guitarras e bombos, abraços e vivas, rostos de muitas raças, a exuberância de estranhas plantas, o traje garrido dos arlequins.
Gosto de pensar que “os amigos dos meus amigos, meus amigos são” e que tenho em José Emídio um amigo. Mesmo não o conhecendo, mesmo não conhecendo a sua obra. Elizabeth Leite e Valdemar Cruz, dois bons amigos, dão-me disso a certeza. Da primeira, encontro um belíssimo (e bem ilustrado) testemunho no Livro de Honra da exposição que se encontra logo à entrada. Do segundo é o texto curatorial que ocupa uma parte da parede, de onde retiro este excerto: “Há uma tocante polifonia cromática encontrada nas telas a óleo, [nos tapetes] e nas cerâmicas. O sensível tratamento dos azuis, os envolventes castanhos, ou mesmo os diferentes tons de verde, se assumem eles próprios como elementos cruciais à estrutura narrativa, constituem fragmentos de uma cornucópia de discursos dos quais não está nunca ausente a delicada aproximação a um irresistível lirismo poético que tanto o aproxima de Chagall (…)”. É justamente isso que sinto no abraço caloroso que estes trabalhos me estendem e, por detrás deles, o seu autor. Sim, José Emídio é um bom amigo.
“Um e dois e três, era uma vez um soldadinho”... No imaginário de José Emídio, a guerra tem uma importância singular. No plano recuado de um dos quadros trava-se um combate que envolve guerreiros de agora e de há dez séculos. Com as suas metralhadoras, os seus arcos e flechas, todos parecem travar a mesma guerra. Motivo idêntico vamos encontrá-lo noutro trabalho, o sentido da metáfora presente como que a evidenciar a intemporalidade e imutabilidade das pulsões humanas. Singular é também a aproximação do pintor ao conceito de diáspora, evidente na elevação da figura feminina enquanto representante das mais variadas proveniências, com os seus traços distintivos, o seu mistério, o seu fascínio. Ou os instrumentos musicais, a estranheza do bestiário, a variedade floral, os jogos de infância. Cuidadosamente encenados, os quadros contam histórias nas quais os elementos parecem perpetuar-se ainda que mudem de lugar ou de plano, de forma ou de cor. É a vida com os seus ciclos, os seus desafios e ilusões, o mudar tudo para que tudo fique igual. É esse eterno retorno a um “teatro de emoções”, pessoal e intransmissível, que é o nosso.
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