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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

CONCERTO: Cristina Branco e João Paulo Esteves da Silva



CONCERTO: Cristina Branco e João Paulo Esteves da Silva
Coliseu do Porto – Salão Novo Ático
18.Dez.2022 | dom | 19:00


Como um álbum de retratos que, desfolhado pausadamente, nos vai brindando com as mais doces recordações, assim é “Amoras Numa Tarde de Outono”, o último trabalho de estúdio da cantora Cristina Branco, em estreita parceria com o pianista João Paulo Esteves da Silva. Foi com o intuito de mostrar ao público uma selecção de queridíssimas canções que compõem o novo álbum, que os dois subiram ao palco do Salão Novo Ático do Coliseu do Porto, ao final da tarde de ontem, para um concerto marcado pela emoção. E o caso não seria para menos, já que mais de duas décadas de entrega e dedicação à música, de tanta partilha e cumplicidade e de um interminável rol de histórias e memórias intensas e vívidas, teriam necessariamente de fazer vibrar todas as cordas da alma. Daí que o momento fosse de celebração, mas também de intimidade; de evocação e de muita saudade; de risos, certamente, mas também de algumas lágrimas.

“Post Scriptum”, segundo álbum de Cristina Branco, marcou o começo de uma bela amizade entre os dois artistas. Assinando os poemas e/ou musicando-os, João Paulo Esteves da Silva foi demonstrando o seu enorme talento, ao qual a cantora soube sempre corresponder com a beleza e sedução de uma voz ímpar. No Novo Ático, ambos souberam evidenciá-lo da melhor forma, construindo o alinhamento do concerto entre o tradicional e o erudito, cruzando Manuela de Freitas, José Mário Branco ou Zeca Afonso com Baudelaire, Camilo Pessanha e Almeida Garrett, afirmando uma extraordinária tangibilidade, sem desprezar a possibilidade do improviso. Nessa viagem de afectos, convidaram o público ao baile e à folia, mas deixaram os melhores momentos para a contemplação e o silêncio. Foi assim com “Lisboa”, a dar o pontapé de saída, prosseguindo com “Invitation au Voyage”, “Canção Vazia”, “Cândida” e “Destino”. Se os temas anteriores apontavam já o caminho da excelência, “Porta de Damasco”, música de João Paulo Esteves da Silva e letra de Vitorino, que o próprio interpreta no seu álbum “Vem Devagarinho Para a Minha Beira”, revela-se sublime na voz de Cristina Branco.

O “dedo” de Ricardo J. Dias fez-se notar em “Uma Outra Noite” e “Rosinha”, antes de um momento de improviso inspirado e empolgante, com João Paulo Esteves da Silva a tocar a solo. Enraizados na música tradicional, “Baile Quebrado”, “O Lenço da Carolina” e “A Laurindinha” foram uma espécie de entrada na recta final, com “O Sítio” e “Este Silêncio” a rematarem o concerto de forma intensa, emotiva. Zeca Afonso não podia faltar e “Canção de Embalar” coroou uma actuação absolutamente notável, de uma generosidade ímpar, que não deixou ninguém indiferente. Em termos pessoais, esta foi a segunda vez que pude escutar os dois artistas neste ano prestes a terminar, a anterior das quais no Auditório de Espinho, curiosamente em momentos diferentes. João Paulo Esteves da Silva é, cada vez mais, o maior pianista que temos em Portugal (e atenção que a concorrência é fortíssima). Quanto a Cristina Branco, o momento foi de júbilo e regozijo. Espinho não tinha corrido nada bem, mas ontem, no Porto, a artista soube redimir-se, fazendo com que ficasse absolutamente rendido à sua qualidade interpretativa e à sua fortíssima presença. Estão feitas as pazes.

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