DANÇA / CONCERTO: “Bate Fado”
Direção artística e coreografia | Jonas & Lander
Composição musical | Jonas, Lander Patrick
Cenografia | Rita Torrão
Figurinos | Fábio Rocha de Carvalho, Jonas
Calçado | Gradaschi
Interpretação | Catarina Campos, Jonas, Lander Patrick, Lewis Seivwright, Melissa Sousa, Acácio Barbosa, Rui Poço, Tiago Valentim, Yami Aloelela
Produção | Associação Cultural Sinistra
Maiores de 6 anos | 100 Minutos
Cine-Teatro de Estarreja
19 Nov 2022 | sab | 21:30
“Silêncio que se vai dançar o fado!”. Não resisto a pegar no trocadilho e, desta forma, começar as minhas impressões acerca de “Bate Fado”, mesmo correndo o risco de deixar subentendido que se trata de um espectáculo de dança. Isto será verdade apenas pela metade, já que é justo referir que a componente de fado (música e voz) está presente em iguais termos, rivalizando com a dança em expressividade e intensidade. Se dúvidas restassem, o belíssimo “Fado Hilário”, que encheu de emoção o “encore”, ali estaria a sublinhá-lo. Mas vamos por partes, começando pelo princípio, pelo processo de investigação histórica que sustenta uma parte fundamental do labor criativo de “Bate Fado”. É consensual que as origens do fado remontam ao Brasil do século XVII enquanto dança afro-brasileira mesclada com o fandango. Trazido pelos marinheiros, o fado e as suas danças acabaram por se instalar em Lisboa, sendo o Fado Batido a vertente da dança do fado que viria a ganhar maior expressão entre nós. O acto de “bater o fado” mais não seria do que um exercício de percussão e um sapateado enérgico que servia para desenhar os compassos da guitarra. Mas era, também, um exercício de destreza, em que ganhava às "pernadas" quem resistisse mais tempo de pé.
Fado dançado? Para quem tem presente algumas sequências de “Fados”, o filme de Carlos Saura, talvez o assunto não seja uma novidade completa. A verdade é que esta associação histórica entre a dança e a música de fado foi-se apagando aos poucos da nossa memória coletiva e não são muitos aqueles que, nos dias que correm, têm consciência de que o fado era dançado. Ao pensar naquilo que é a essência do samba, do flamenco ou até mesmo do fandango, géneros profundamente enraizados no movimento, no ritmo e na coreografia, não podemos deixar de estranhar que a componente da dança tenha, em relação ao fado, perdido fulgor e representação, cedendo lugar à voz e à melodia, até desaparecer completamente. Foi numa certa dimensão boémia e de festa inerente ao Fado Batido que Jonas & Lander decidiram apostar, criando um espectáculo que recupera as origens do fado, invadindo os espaços de tavernas e baiucas e reinterpretando de forma livre o seu espírito ancestral.
Extraordinariamente eficaz no seu minimalismo, o dispositivo cénico oferece várias leituras. Mais igreja que coreto, entre o dentro e o fora, o sagrado e o profano, ele amplia a forma de abordar os sentimentos mais extremados, a traição e o ciúme de mãos dadas com a paixão e o arrebatamento. Debaixo daquele céu, as guitarras são canto e alegria, choro e dor, da mesma forma que são remo e vela, cruz e pendão, almofada para repousar a cabeça e espingarda que fere e mata. A elas e à música que delas emana, junta-se o ritmado de um sapatear vigoroso e expedito, penetrante, exaltante, que contamina e arrasta o público numa enorme torrente de força e energia. Os números sucedem-se e o diálogo entre o fado batido e as danças tradicionais portuguesas e afro-brasileiras estreita-se. “Por riba se ceifa o pão” cruza-se com “Maria La Portuguesa” com a mesma naturalidade com que se cruzam o “Fado Bailado” e “A Morte do Surubim”. As pequenas peças que faltam para completar o puzzle, impossíveis de encontrar naquilo que sobrou da verdade histórica do Fado Batido, vão buscá-las Jonas & Lander ao seu próprio imaginário coreográfico. A eles se deve a construção de um espectáculo visualmente riquíssimo, irrepreensível do ponto de vista das interpretações e que tem ainda esse lado didático, que acrescenta e enriquece. Para eles vai o mais vivo e caloroso aplauso.
[Foto: Município de Lagoa | https://www.facebook.com/municipio.lagoa/]
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