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segunda-feira, 28 de novembro de 2022

CONCERTO: "The Turning Year" | Roger Eno



CONCERTO: “The Turning Year”,
de Roger Eno
Misty Fest 2022
Auditório de Espinho
24 Nov 2022 | qui | 21:30


Quase a chegar ao fim, o Misty Fest 2022 trouxe ao Auditório de Espinho o compositor britânico Roger Eno para a apresentação de “The Turning Year”, o seu mais recente trabalho discográfico, numa edição da prestigiada Deutsche Gramophone. De gargalhada fácil, com duas Super Bock na mão, o artista começou por esclarecer que o concerto teria a duração de “exactamente uma hora e três minutos” e seria acompanhado pela projecção de imagens colhidas nas imediações da pequena aldeia onde vive, no condado de Norfolk, no Reino Unido. Inspirando-se na história de Penélope, esposa de Ulisses, e naquele amor que não se cansa de esperar, recomeçando tudo de novo a cada dia, Roger Eno pôs em palco o seu particular talento de melodista, oferecendo um conjunto de composições como pequenas vinhetas musicais que foram, na sua essência, um convite à viagem interior e à reflexão.

Os acordes sucedem-se, cadenciados e dolentes, enquanto o nosso olhar vai pousando numas agulhas de croché que conduzem fios e fazem nascer uma peça, num campo despido que termina num pequeno bosque, num mosteiro em ruínas ou num corvo que, apanhado no laço, jaz morto e apodrece. Profundamente melancólica, de uma tristeza infinita, a música de Roger Eno lembra-nos o quão efémera é a vida, o quão inevitável é o declínio que acaba por tomar conta de tudo. Temas como “A Place We Once Walked”, “Hymn”, “Clearly”, “Innocence” ou “An Intimate Distance” arrastam-nos na emoção que delas se desprende, trazendo à memória as mais vívidas imagens, aquelas que ciosamente guardamos como jóias preciosas. De súbito, é como se desaparecesse o caos em que o nosso mundo se afunda aos poucos e só existisse a beleza e a comoção que a música convoca e imprime.

Cerramos os olhos por um breve instante. Perdem-se as imagens que vão fluindo na tela mas abre-se espaço na mente para o despertar pleno dos sentidos. A sensação de fragilidade e vulnerabilidade acentua-se, mas a certeza de estarmos vivos e capazes de sentir e abraçar tanta beleza é incomparavelmente maior. As notas soltam-se e são penas que caem levemente do céu, delicados flocos de neve que se derretem num espasmo líquido, grossas gotas de chuva que se desprendem das folhas das árvores e nos atingem sem molhar. Um pequenino trecho parece conduzir-nos ao “Adágio para Cordas” de Samuel Barber, outro como que nos abre a “Terceira Sinfonia” de Gorecky. Grieg e Satie passeiam-se por aqui. O piano range a cada movimento das mãos de Roger Eno e é como se ele estivesse aqui ao lado, a tocar exclusivamente para mim. Assombroso, etéreo, introspectivo, misterioso e imensamente belo, assim foi o concerto de Espinho. “Exactamente uma hora e três minutos” que tão cedo não se apagarão da memória.


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