O segundo dia do Guimarães Jazz ficou marcado pelo regresso ao palco do Centro Cultural Vila Flor da contrabaixista malaia Linda May Han Ho, depois de aqui ter estado no ano passado ao lado de Vijay Iyer e Tyshawn Sorey. Com ela vieram o saxofonista Greg Ward, o baterista Jeff Ballard e o guitarrista Matthew Stevens, completando o agrupamento que, na programação do Festival, substituiu o Archie Shepp 4tet, impedido de se deslocar a Guimarães por motivo de doença do seu líder. Aquilo que poderá ter começado por ser uma enorme desilusão para os muitos espectadores que tinham a ambição de ver ou rever um dos maiores ícones vivos do jazz, acabou por tornar-se numa muito grata surpresa, de tal forma a música que se fez ouvir fluiu intensa e vibrantemente ao longo de quase uma hora e meia. Com um pé nos tumultuosos ambientes jazzísticos de Nova Iorque e o outro na tranquilidade que emana dos grandes espaços abertos, os elementos como fonte musical por excelência, Linda May Han Ho ofereceu-nos um vislumbre do seu mundo criativo, extenso e fascinante, através de uma sucessão de temas onde energia e virtuosismo se passearam de mãos dadas.
Não preciso de recuar muito no tempo para reviver os momentos de um concerto em Espinho e a viva impressão que Linda May Han Ho me tinha deixado quando a escutei ao lado de Iyer e Sorey. Entre os dois gigantes, destacava-se a sua figura esguia pela relação que estabelecia com o contrabaixo, escalado com prazer, deleite e uma técnica primorosa. Em Guimarães, a história repete-se mal os primeiros acordes saltam do instrumento. É em torno dele que Linda May Han Ho se move a um ritmo frenético, trazendo à ideia a figura incontornável de Esperanza Spalding, em particular depois de perceber, já numa fase adiantada do concerto, que Linda May Han Ho não teme correr o risco de emprestar a sua voz ainda que a um só tema, preenchendo-o de graça e lirismo. É essa mesma graça e esse mesmo lirismo que vamos encontrar nos fabulosos “Lucid Lullaby” ou “Speech Impediment”, do seu álbum “Walk Against Wind”, e noutros dois temas não menos extraordinários, dos quais não cheguei a reter o nome. É através deles que nos focamos na essência de um concerto que vai primando pela novidade, apostado na criação de paisagens sonoras entre o árido e o sobrepovoado e explorando o efeito surpresa que daí advém.
Do saxofone de Ward rompem melodias que são preces sussurradas, espécie de contraponto ao descaramento exibicionista do contrabaixo. Sob o olhar atento da bateria e da guitarra, mais daquela do que desta, é deslumbrante o diálogo encetado, sobretudo pela forma como Linda May Han Ho e o seu instrumento se impõem, fazendo questão de seguir firmemente na dianteira e apontar caminhos. De provisória, a conversa passa a definitiva nesse extraordinário momento que é “Other Side”, o tema que encerrou o concerto e que, tal como “Circles”, tocado anteriormente, fará parte de “The Glass Hours”, um novo trabalho discográfico que se anuncia para o início do próximo ano. Veremos o que vem por aí, mas pela amostra só pode ser muito bom. E, melhor ainda, sabendo que contará com a participação de Sara Serpa, cantora e compositora portuguesa radicada em Nova Iorque, onde tem vindo a desenvolver um trabalho de grande qualidade e que lhe tem valido os mais rasgados elogios por parte da crítica e do público. Fico na expectativa de rever Linda May Han Ho muito em breve. De preferência com Sara Serpa ao seu lado.
[Foto: Centro Cultural Vila Flor | https://www.facebook.com/CCVF.Guimaraes]
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