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quinta-feira, 6 de outubro de 2022

EXPOSIÇÃO: "João, Querido Amigo"


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EXPOSIÇÃO: “João, Querido Amigo”,
de João Carlos Celestino Gomes
Curadoria | Jorge Silva
Casa da Cultura de Estarreja
03 Set > 07 Out 2022


“Meu querido ‘D. João’: de trinta e tal anos seguidos de íntimo convívio, ficou-me de ti, acima de tudo, uma saudade imensa, um enorme e incomparável vazio na vida. Sinto que alguma coisa de mim próprio morreu contigo, quando ficaste dormindo. E só Deus sabe como é infinitamente triste e doloroso recordar-te!”
António Madureira, In Memoriam, Estarreja, 11 de Novembro de 1961

Na véspera de encerrar ao público, tempo ainda de escrever umas palavras sobre “João, Querido Amigo - Facetas de João Carlos Celestino Gomes, Ilustrador”, a exposição que, desde 03 de Setembro, ocupa o espaço da Casa da Cultura de Estarreja. Uma exposição de grande qualidade que nos mostra aquele que, assinando Celestino Gomes, foi poeta, prosador, ensaísta, fundador de revistas literárias e jornais regionalistas, e também divulgador científico, na televisão e jornais, na sua condição profissional de médico higienista. Por outro lado, assinando com os seus primeiros dois nomes, João Carlos, desenhou a grafite e carvão, pintou a óleo, ilustrou a Tinta-da-china, esculpiu a madeira, o ferro e o barro, eternamente enamorado pelo mar e pela faina das comunidades piscatórias da sua terra natal, Ílhavo. São estas múltiplas facetas que agora se abrem ao público, cuidadosamente reunidas e agrupadas de forma a realçar não apenas a obra do artista, mas também a sua extraordinária ligação, e de Silvina, a sua mulher, ao casal Marieta Solheiro Madureira e António Madureira.

Talvez valha a pena começar precisamente por aqui, pela história de uma bela amizade que se prolongou por mais de trinta anos. O mútuo afecto e o inestimável apreço pela Arte levou a que os laços entre os dois casais de reforçassem e a que, dessa amizade, chegassem aos nossos dias inúmeros exemplos. Uma parte substantiva da imensa obra produzida por João Carlos Celestino Gomes encontra-se hoje reunida na Sala João Carlos, na Casa-Museu Marieta Solheiro Madureira, em Estarreja. Aqui, o espólio do Dr. António Madureira, generosamente organizado e exposto, reflete a intimidade partilhada, os dias de convívio, os momentos em que, descontraída ou fervorosamente, se criaram e estimaram as relações humanas, a Arte e as Letras. Porque só assim ficariam “libertos das limitações do tempo e do meio”. Todas as peças e os documentos reunidos deixam perceber a admiração que os espíritos sinceros de António e de Marieta Solheiro Madureira perpetuam: os livros escritos por Celestino Gomes, autografados e alinhados em lugar de destaque na secretária, os desenhos e os trabalhos artísticos exclusivos, dispostos nas paredes, ou outros objetos que pontuam a casa, como os revestimentos de madeira policroma da lareira.

O tributo ao “querido amigo” estende-se agora à Casa da Cultura de Estarreja onde, em torno de uma vasta produção ilustrada, com destaque para as capas de livros da Editora Gleba e de ilustrações dos livros “Cântico dos Cânticos” e “Livro de Ester”, avultam a originalidade do traço e a qualidade onírica de João Carlos Celestino Gomes. Fascinado pela gravura japonesa, pelos Primitivos de Quatrocentos, pelas artes bizantina e oriental e pelos XX Dessins do pintor Amadeo de Souza-Cardoso, o artista afirmará, na primeira metade do século XX, um destino singular no contexto das artes visuais portuguesas, fortemente marcadas pela “Política do Espírito” de António Ferro. A sensualidade manifesta da sua obra gráfica e uma postura ética declaradamente ecuménica e humanista afastam-no naturalmente do decorativismo assexuado da propaganda oficial e da cruzada nacionalista do Estado Novo. Estas e outras leituras emergem da visão integrada dos trabalhos expostos, fazendo desta uma mostra de inegável valor e interesse. Uma nota final para reforçar o interesse de estender a visita à Casa Museu Marieta Solheiro Madureira, na cidade de Estarreja. O “dois em um” perfeito.

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