Rita Braga a abrir, os Fumo Ninja a fechar e, pelo meio, Valter Lobo, figura maior do cartaz deste ano do Ovar Expande, preencheram da melhor forma o segundo dia do certame. De forma calorosa, o público abraçou quatro horas de música para três concertos com tanto de diversidade como de complementaridade, o denominador comum centrado na generosidade e entrega dos artistas e na qualidade intrínseca da sua música. Começando pelo fim, os Fumo Ninja trouxeram-nos as sonoridades mais dançáveis da noite. A dar os primeiros passos, o projecto que junta Norberto Lobo no baixo, Leonor Arnaut na voz, Raquel Pimpão nas teclas e Ricardo Martins na bateria, mostrou o belo caminho que se abre à sua frente, consubstanciado, desde já, em “Olhos de Cetim”, o seu álbum de estreia. Espartanos nas letras, colocando todo o peso da sua música em sons inscritos claramente na pop, a banda tem na emoção de temas como “Django Hair” e “Chapada Da Deusa” ou na dolência e harmonia de “Segredo”, “Sim / Não” e, sobretudo, “Mangas de Camisa”, uma bandeira de esperança e entusiasmo que voa bem alto. E nós a vê-los voar, “numa nuvem de fumo ninja / a desaparecer // só tu e eu / em mangas de camisa”.
A abrir este segundo dia, Rita Braga trouxe ao Palco Galeria um verdadeiro divertimento em forma de música. Feiticeira de sons, a cantora, compositora e multi-instrumentista colocou, no mesmo saco, orgão e sintetizadores, percussões e um ukelele, cabarés em Paris e ambientes paranormais, ficção científica e a Branca de Neve, charleston e punk sinfónico, alter egos virtuais, sonhos e pesadelos, um prato de sardinhas portuguesas na companhia de um bom vinho verde e um café (“por cinco euros não há heróis”) e pozinhos de perlimpimpim. Fechou tudo muito bem fechado, agitou três vezes, três vezes bateu com a sua varinha mágica e… bum! Em francês ou japonês, em alemão, inglês ou na língua de Camões, ofereceu-nos três quartos de hora de música ousada e sedutora, provocante nas suas mensagens e assente numa voz de desenho animado, um bom-bom de coqueterie, toda anos 20, a piscar o olho ao jazz de Dorothy Fields, Irene Higginbotham ou Billie Holiday. Nesta mistura complexa, tornada simples graças à arte de fazer boa música, aliada a uma forte presença de mulher-menina, constrói Rita Braga o seu audaz e irreverente mundo musical. Um mundo que importa conhecer e onde sabe bem estar.
Sala cheia para escutar Valter Lobo no momento mais esperado da noite. Dito assim, pode soar a injustiça, já que Rita Braga e os Fumo Ninja “também são gente”. Mas quando a voz se cala e só as guitarras se fazem ouvir, o clamor cresce na sala e são muitas as gargantas que entoam “da terra para a lua / da lua para o mar / se o teu corpo é mar inteiro / o que eu quero é naufragar”. À força deste verdadeiro hit que é “Quem Me Dera”, juntou o artista uma série de temas de “Mediterrâneo”, o seu primeiro álbum de estúdio, entre os quais “Tenho Saudades”, que abriu o concerto, “Supernós”, que o rematou, ou o imensamente belo e pleno de significado “Guarda-me Esta Noite”. Entretanto, foi mesclando o alinhamento com temas do seu mais recente trabalho, “Primeira Parte de Um Assalto”, editado no passado mês de Abril, e do qual pudemos escutar o tema que dá título ao álbum e também “Fizeste-me Sonhar”, “Menina-Mulher”, “Uma Melodia” e “Para T.”, este último emocionante, a dizer-nos que “a vida é mais que um sopro / maior que o furacão / é o que tu quiseres”. Pelo meio, tivemos um arrepiante momento à capella com “Quero Que Me Acordes”, recuperado de “Lobos de Barro” (2018), o resultado feliz de uma parceria com André Barros. Lançado na base da sedução, o momento ultrapassou as margens de um mero concerto. Foi uma catarse para estados de alma à deriva, um guia de como sobreviver a um coração despedaçado. E foi tão bom!
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