Páginas

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

CONCERTOS & CONVERSAS: Ovar Expande '22 Dia 1



CONCERTOS & CONVERSAS: Ovar Expande ’22
Escola de Artes e Ofícios
20, 21 e 22 Out 2022


Com a ambição legítima de quem busca um lugar de referência no circuito de festivais da melhor música que se faz hoje entre nós, o Ovar Expande surge nesta terceira edição completamente renovado. Menos dias, mais concertos e a aposta de sempre em “projectos e artistas com identidade”, são os ingredientes que definem o certame neste momento determinante de viragem. Acrescente-se um novo palco e a experiência imersiva entre música e audiovisual que daí pode resultar, duas oficinas - uma de manipulação electrónica de instrumentos acústicos e outra de escrita de canções e produção musical - e ainda um momento dominado pela palavra e pelas conversas e fica-se com a noção clara do quanto de dinamismo e estimulo pode advir de uma “programação com bons predicados, num espaço único e diferenciado, onde os concertos são, por todo o contexto e ambiente, momentos que se pretendem memoráveis, de comunhão entre artistas, público e equipas de produção”.

O primeiro dos dois momentos da noite inaugural do Ovar Expande ’22 assinalou a estreia do Palco Galeria da Escola de Artes e Ofícios enquanto espaço de concertos. A aposta em João Martins, um artista “da casa”, revelou-se particularmente feliz, não apenas pela oportunidade de nos dar a conhecer “Bios”, o seu segundo trabalho de estúdio depois de “Hundred Milliseconds” (2020), mas sobretudo pela qualidade da sua música, combinando, em partes iguais, sobriedade e desordem, harmonia e agitação. Com Xavier Marques nos sintetizadores, João Martins fez de “Bios” um verdadeiro “activador do hardware” que em nós existe, preenchendo-nos de energia e vitalidade. Acrescentando a flauta e a melódica à sua bateria e a uma panóplia de gongos e outros instrumentos de percussão, Martins desafiou-nos a sentir a força dos elementos naquilo que têm de impetuosidade e violência, mas também de deslumbre e arrebatamento. Cavalos em tropel, ventos em fúria e pás de helicópteros alternaram com chuva a cair de mansinho, ovelhas que pastam no imenso verde e o absoluto silêncio das fossas abissais, convidando à viagem ao mais fundo de cada um de nós.

Já na Sala Expande, Minta & The Brook Trout foram uma força contrastante face à impulsividade e efusão do concerto anterior. Se quisermos usar a imagem da viagem, Francisca Cortesão e a sua banda levaram-nos num terno e suave voo em balão de ar quente sobre um mar de girassóis que se estende a perder de vista. A apresentar “Demolition Derby”, o seu quarto trabalho de estúdio, a banda estendeu o alinhamento do concerto a “Slow”, álbum de 2016, e a “Olympia”, que acaba de completar uma década de existência. Combinando temas mais antigos, como “Blood and Bones” ou “The Right Boulevards”, com outros do novo álbum, casos de “International Loss Adjusting”, “Neighbourhood” ou “Easy”, os “Mintas” mostraram aquilo de que são capazes, tratando cada uma das músicas de forma depurada e com enorme bom gosto. Não houve aleatoriedade nesta escolha, antes o cuidado de mostrar o trabalho de continuidade em torno de um projecto nascido em 2009 e que continua a dar frutos. De olhos fechados, escutamos aquelas vozes e acordes e é como se recuássemos décadas, ao tempo mágico de todas as descobertas, de Eliza Gilkyson ou Ani DiFranco a Johnny Cash ou aos Beatles. Percebemos, então, que há todo um mar escuro e inquieto por debaixo daquela capa de calma aparente. Que também aqui os quatro elementos se erguem, desordenados e aflitos. Minta & The Brook Trout e João Martins estão, afinal, muito mais próximos do que pensávamos.

Sem comentários:

Enviar um comentário