Páginas

domingo, 4 de setembro de 2022

EXPOSIÇÃO DE PINTURA: "Alma Portuguesa"


[Clicar na imagem para ver mais fotos]

EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Alma Portuguesa”,
de Maria do Carmo Vieira
Galeria Municipal de Arte, Barcelos
02 Jul > 18 Set 2022


“Alma Portuguesa”. Cada um de nós terá para ela, certamente, uma definição diferente. Nela encontrará algo a acrescentar às suas infinitas peculiaridades, sublinhará o seu jeito único de se afirmar, enunciará os seus paradoxos, as suas incongruências. Perante o misterioso e desconhecido, mencioná-la pode ser a escapatória perfeita. Ou um simples subterfúgio. Fernando Pessoa encontrou-a no sal, que no mar “são lágrimas de Portugal”. Miguel Torga espantou-se com a facilidade com que chegamos a umas termas, sentamo-nos, voltamo-nos para o vizinho da direita e, sem dizer água-vai, contamos-lhe a vida. Teixeira de Pascoaes realçou a indecisão e inquietação que lhe são próprias, “como as nuvens em que as suas montanhas se continuam e as ondas em que as suas campinas se prolongam”. Vergílio Ferreira destacou a tendência “pela espera de um milagre ou pela descompressão de uma anedota”. Enquanto Miguel Esteves Cardoso exaltou essa capacidade de ser português sem deixar de ser outras coisas, o sermos portugueses por sermos tudo menos portugueses. Afinal, em que ficamos?

“Alma Portuguesa” é o título da exposição de pintura de Maria do Carmo Vieira que, por estes dias, ocupa o belíssimo espaço da Galeria Municipal de Arte, em Barcelos. Um título legitimado pelo interesse da artista em, também ela, encontrar uma resposta que, no mínimo, apazigue essa inquietação de procurarmos saber quem somos e qual o lugar que ocupamos nesta estória que é de todos, afinal. Abraçar com o olhar, de uma só vez, Florbela Espanca e José Afonso, Natália Correia e Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner e José Saramago, Teolinda Gersão e Júlio Resende, Agustina Bessa-Luís e Nadir Afonso, e tantos, tantos outros vultos maiores da cultura portuguesa, leva-nos por caminhos feitos de orgulho e brio, alguma vaidade, muita integridade e nobreza. Mas estendamos os olhos para todos os outros rostos que, anónimos, nos observam também. São eles a Amélia e o Laurindo, a Rosa e o Diamantino, a Maria, o Jaime e o Abílio, a Graça, o João, a Margarida. A Maria do Carmo. Rostos marcados pelas mesmas rugas, pela profundidade dos mesmos olhares, pela mesma certeza do lugar ao qual pertencemos, pelo mesmo amor àqueles a quem chamamos pai, mãe, irmão, avô. São eles que juntam o pão que cozem, a terra que semeiam, as casas que erguem ou o peixe que apanham aos livros que outros escrevem, às músicas que se compõem, aos quadros que se pintam. É nessa mescla tão rica que encontramos (?) a nossa alma.

Seguimos por caminhos em cujos sons e tons nos reconhecemos, que juntos soubemos construir e juntos trilhamos desde tempos imemoriais. Caminhos que valem a pena, caminhos de não pequena alma. Alma portuguesa, tão sabiamente representada na arte de Maria do Carmo Vieira. Venham comigo. De mansinho, aproximemo-nos deste quadro. Não vou dizer quem é, todos sabemos quem seja. Conseguem imaginar o trabalho da artista, a forma como, com a espátula, preenche de cor uma primeira camada sobre a tela? E logo outra, e outra ainda, todas diferentes? Ainda a espátula, agora mais pequena (por vezes muitíssimo mais pequena), escavando à superfície, retirando aqui, acrescentando além, compondo, remisturando, criando novas formas e texturas. Indo mais fundo no vincar de uns lábios que se querem grossos e carmesim, num rosto que se apoia na mão, numas pestanas escassas e espessas, nas pérolas de um colar apenas ao de leve vislumbrado. Agora mais fundo ainda, nesse sopro de vida que empresta verdade à figura que parece querer saltar da tela. Verdade que é alma (“alma portuguesa”, será?). Por ela continuaremos a defender, a debater, a porfiar, a discorrer, a batalhar. Se a algum lado chegaremos, nunca o saberemos. Uma certeza teremos, porém: Da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, ela esteve - e está (!) - inteira na arte de Maria do Carmo Vieira. Isso sente-se e vê-se, nos ilustres como nos anónimos, que à nossa juntam a sua alma. Não há como o negar.

Sem comentários:

Enviar um comentário