Chama-se Francisco Fonseca, mas no pequeno grande mundo da ilustração dá pelo nome de Francis.co. Nascido e criado em Paço de Sousa, pequena vila do concelho de Penafiel, começou desde muito cedo a construir os seus próprios mundos e personagens através do desenho, sem imaginar que sobre o papel e o lápis se viria a erguer o seu futuro. A investigação etnográfica em torno das lendas e mitos nos quais o seu reduto natal é fértil, combinada com o trabalho de construção de um livro ilustrado, serviu de base ao relatório de Projeto para a obtenção do mestrado em Desenho e Técnicas de Impressão na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, grau que concluiu em 2018. Entre o real e o fantástico, percebemos hoje o quanto o seu universo não cessa de se expandir, com as casas e as pessoas que as habitam, os objectos que abrigam ou as marcas que ostentam da passagem do tempo a ocuparem o centro do seu trabalho.
Respondendo ao desafio lançado pela organização da terceira edição do FAZUNCHAR, para a realização de uma residência artística de desenho, Francis.co foi, ao longo de uma surpreendente e produtiva semana de Agosto de 2021, presença constante no imbricado de becos e ruelas que constituem o miolo de Figueiró dos Vinhos. Fachadas degradadas, telhados derrubados, janelas com os vidros partidos, gradeamentos tomados pela ferrugem, portais desbotados ou pequeninas flores que brotam dos muros ganharam uma nova dimensão ao serem transpostas para o caderno mediante a minúcia do olhar, a delicadeza do traço e a atenção do artista ao mais ínfimo detalhe. Assim nasceu “Esquecidos”, exposição de desenho que constitui, à vez, inventário do abandono a que as casas se vêem votadas, histórias que são memórias, formas e texturas como pele enrugada sobre um corpo que não cessa de morrer.
Embora não me tenha sido possível falar de “Esquecidos” em tempo útil – a mostra esteve patente só até ontem na sala de exposições temporárias do Museu e Centro de Artes de Figueiró dos Vinhos -, a referência a este particular trabalho de Francis.co impõe-se por vários motivos. Desde logo, pela importância destas Residências Artísticas, valiosas para os criadores pela experiência em si e pelas oportunidades que se abrem à diversificação do seu trabalho. Depois, pelo que perdura desse trabalho e que, mais do que uma memória visual, serve de ponto de partida para, em conjunto, reflectirmos sobre um futuro que se evidencia no presente. No caso concreto de Francis.co e do desenho como forma de expressão artística, também a profunda admiração pela sua forma de passar para o papel aquilo que vê, o traço fino da caneta e uma paleta aguarelada particularmente reduzida como binómio de um trabalho enorme de força e beleza. Por fim, mas não menos importante, a mensagem por detrás deste conjunto de desenhos, testemunhos vivos de um interior votado ao abandono. “Entretanto morreram os velhos todos, e os novos querem lá saber disto…”. O título da exposição tem tudo a ver com isto.
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