TEATRO: “Selvagem”
Texto e Dramaturgia | Marco Martins e Patrícia Portela, a partir dos contributos do elenco
Encenação | Marco Martins
Ideia original | Renzo Barsotti
Cenografia | Fernando Brízio
Música | Miguel Abras
Movimento | Vânia Rovisco
Interpretação | Andrea Loi, Giuseppe Carai, João Paulo Alves, Luís Meneses, Marco Abbà, Rafael Costa, Riccardo Spanu, Rubens Ortu
Coordenação de Projeto e Direção de Produção | Mariana Brandão
105 Minutos | Maiores de 14 anos
Teatro do Campo Alegre
02 Abr 2022 | sab | 19:30
Marco Martins e o seu teatro não cessam de me encantar. Assentes na pesquisa e na experimentação, os temas que aborda reflectem as enormes preocupações face a uma sociedade convulsa, em constante mutação, desigual na sua capacidade de adaptação, excludente, em risco de perda das suas memórias e, com elas, da sua identidade. Foi assim com “Provisional Figures”, peça de 2018 que abordava o quotidiano de uma comunidade portuguesa em Great Yarmouth, Reino Unido, no auge da crise económica. É assim com “Selvagem”, um debruçar sobre o sentido ancestral da máscara e, acima de tudo, sobre o seu significado “num quotidiano repleto de avatares, caricaturas, memes, aplicações que permitem transformar rosto e corpo e vários tipos de filtros capazes de esbater ainda mais a linha entre rostos e máscaras”.
Com um elenco de não-actores, cinco sardos e três transmontanos (dois de Podence e um de Baçal), “Selvagem” leva-nos ao encontro de um mundo rural ritmado pelas estações do ano, pelo ciclo das sementeiras e das colheitas e pelos longos períodos de inação durante o Inverno, pela relação entre o homem e o animal, por uma vida em sociedade onde a solidariedade e a cumplicidade são pilares de um quotidiano onde cada um joga a sua própria sobrevivência. Mas a ideia romântica de um mundo rural onde o homem e a terra coabitam em harmonia perfeita está longe de ser uma realidade. As tensões existem, tal como os dilemas, as angústias, a adversidade e o infortúnio. Buscam-se os momentos de festa e de catarse para melhor suportar uma vida que corre no limite. É aqui que entram a música, com o seu ritmo e estridências próprias, os trajes garridos, os gestos provocadores, a postura corporal e a máscara, esconderijo e disfarce à vez.
Baseado nos testemunhos do elenco, o texto, de Marco Martins e Patrícia Portela, valoriza o desfiar de memórias que os actores partilham com o público. Das suas experiências sobra a noção de uma profunda ligação à natureza, mas também a sensação de desesperança ou de fatalidade, à qual se contrapõem os rituais como forma de exorcizar as pulsões negativas e esconjurar a força destruidora dos elementos. O final da peça mergulha o espectador num “museu” onde as máscaras, como vestígios de um passado, repousam enfim. Individualizadas ou agrupadas, são alvo de explicação detalhada, à medida que o virtual toma o lugar do real. Não tardará, porém, a que o real volte a impor-se, a referência à máscara que cada um de nós carrega no rosto por força da pandemia a obrigar a uma reflexão mais vasta e a implicar uma tomada de consciência, quiçá ausente até esse momento. Afinal, quantas máscaras serão precisas para que nos mantenhamos vivos?
[Foto: Bruno Simão | https://www.teatromunicipaldoporto.pt/]
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