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quinta-feira, 7 de abril de 2022

CONCERTO: Jan Garbarek feat. Trilok Gurtu



CONCERTO: Jan Garbarek feat. Trilok Gurtu
Auditório de Espinho
06 Abr 2022 | qua | 21:30


O que dizer do concerto de ontem à noite no Auditório de Espinho? Imaginemo-nos a percorrer uma rua pedonal no centro de uma grande cidade, cheia de ritmo, batidas variadas, cores tonais e muita energia. À medida que caminhamos, vamos sendo invadidos por uma onda boa, feita de sonoridades que, ora nos transportam das paragens quentes da bacia do Mediterrâneo às extensões geladas da Escandinávia, ora nos conduzem à misteriosa Índia ou nos convidam a mergulhar nas paisagens citadinas de Chicago ou Nova Iorque. Se isto não choca com qualquer espécie de preconceito, se entendemos como lícito que sob o longo e aconchegante manto do jazz se possam abrigar sonoridades que abracem, entre outros estilos e géneros, o funk e a world music, então passear por esta rua é, mais do que um prazer, uma experiência única, tornada inesquecível graças ao virtuosismo de instrumentistas como o baixista Yuri Daniel, o pianista Rainer Brüninghaus, o saxofonista Jan Garbarek ou um convidado muito especial, o percussionista Trilok Gurtu.

A parafernália de instrumentos de percussão que ocupava uma parte substancial do palco prendia a atenção dos espectadores à entrada no Auditório. Foram muitos aqueles que fizeram questão de fotografar tão invulgar aparato e, com naturalidade, os olhares ficaram presos em Trilok Gurtu quando, já instalado no interior de tão insólito “cortiço”, acompanhou o romper das primeiras notas do saxofone soprano de Jan Garbarek. Multipercussionista nascido em Bombaim em 1951, Gurtu puxou dos galões – já foi considerado o melhor percussionista do mundo – e reinou numa noite absolutamente mágica. Na tabla, nos címbalos, nos gongos, manipulando brinquedos estridentes ou um simples balde de água, aos quais juntou sons vocais, fonéticos e onomatopaicos, sapateado e bater de palmas, foi ele o centro das atenções, quer nos invulgares solos, com tanto de divertidos como de arrebatadores, quer quando soube puxar Garbarek para os seus momentos mais loquazes e exploratórios, no seu saxofone tenor ou na flauta de bambu.

Caso me dispusesse a comentar as músicas uma a uma, não saberia como fazê-lo. O concerto valeu pelo seu todo, a sequência de temas como uma longa colagem, fluída e envolvente, num convite à viagem. Fica a sensação que Trilok Gurtu poderia ter bastado para preencher o concerto, mas isto seria particularmente injusto para os restantes músicos, tanto para Yuri Daniel, cujo baixo de cinco cordas soube ser preciso no delicado equilíbrio entre a discrição e a exuberância, como para Rainer Brüninghaus, exímio na recriação de cenários orquestrais e ambientes intimistas, ampliando sobremaneira a paleta de recursos do quarteto. E depois há Jan Garbarek, nome maior da cena jazzística europeia e mundial, com dezenas de gravações ao longo de mais de meio século de carreira, e que continua a pôr em palco uma enorme sensibilidade e uma atenção muito particular às paisagens melódicas, nas quais o silêncio joga um importante papel. Diálogo aberto e sem fronteiras entre sons e idiomas culturais, o concerto de Espinho ficará na memória como um daqueles raros momentos que guardaremos no lugar reservado às coisas verdadeiramente raras, aquelas que nos tornam mais felizes e melhores.

[Foto: Auditório de Espinho - Academia | https://www.facebook.com/auditoriodeespinhoacademia/photos/]

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