Com menos público do que habitualmente, a segunda sessão da sexta temporada do Shortcutz Ovar decorreu sob o signo da perda. Foi assim com “Chama-se Carla”, filme que abriu a noite e cujo momento-chave é a perda de um filho durante a gravidez. Trabalho de estreia de Cátia Biscaia, superiormente interpretado por Inês Sá Frias e Tobias Monteiro, o filme conta a história de Carla, jovem grávida de oito meses, que passa os dias à porta do estabelecimento prisional onde o companheiro cumpre pena por tráfico de droga. Feita de longas esperas e de conversas ao telemóvel ou com um dos guardas prisionais, a rotina é quebrada abruptamente quando Carla sente uma contração violenta e é levada ao hospital onde acaba por perder o seu bebé. Superar a dor da perda e começar de novo, eis o desafio. Com enorme sensibilidade, Cátia Biscaia escreveu e realizou um filme que toca o espectador pelo lado humano das questões abordadas, falando dos obstáculos que se atravessam no nosso caminho e do valor de não estarmos sós quando tudo parece desabar à nossa volta.
Também Alice tenta reencontrar o seu trisavô, um soldado japonês que combateu ao lado do exército britânico durante a I Guerra Mundial e que, vindo para Portugal, aqui deixou a sua semente antes de desaparecer. Fixando o olhar no céu, a menina recorda a história que a mãe conta acerca das mantas, essas raias gigantes que, deixando o mar, se erguem às centenas no voo, cruzando altas montanhas e florestas imensas, sobrevoando as nossas cidades e as nossas casas. Serão espíritos? Será o trisavô uma daquelas mantas? Filme de animação de Bruno Carnide, “O Voo das Mantas” conta uma história muito simples mas muito bonita, que mistura realidade e ficção. Com um traço depurado – curioso o aproveitamento que Carnide faz dos trabalhos de Cátia Biscaia, fotógrafa profissional, baseando-se neles para o desenho de belíssimos cartões -, o realizador apela à nossa condição de crianças, alçando-nos num voo feito de liberdade e magia e levando-nos ao encontro de um mundo onde todos os sonhos são concretizáveis.
A fechar a noite, “Yard Kings” trouxe-nos a história de duas crianças que fogem de um ambiente marcado pela violência doméstica, refugiando-se no caótico espaço de uma sucata em busca da felicidade. No limite, este é um filme sobre a perda da inocência, mas também sobre a extraordinária capacidade que as crianças têm de erguer novos mundos e de os tornar acessíveis aos adultos. Retirando uma enorme força de uma realidade tão terrivelmente presente, “Yard Kings” debruça-se sobre o problema da violência doméstica através do olhar dos mais novos, vítimas inocentes da disfuncionalidade das relações no seio das próprias famílias. Nesta que é a sua obra de estreia, Vasco Alexandre revela uma maturidade invulgar, tanto na mensagem que pretende fazer passar como na forma como tira partido dos recursos que tem à sua disposição. A pontuar o trabalho de realização está a a superior direcção de dois jovens actores – David Price e Elle Atkinson, de 10 anos e 9 anos, respectivamente –, dos quais extrai o que de melhor têm em matéria de expressividade, inocência e pureza. De uma ternura sem limites, o final do filme é uma lição para todos. O remate perfeito de mais uma excelente noite de cinema curto.
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