TEATRO: “A Noite da Dona Luciana”,
de Copi
Tradução | Isabel Alves
Encenação | Ricardo Neves-Neves
Figurinos | José António Tenente
Designer | Pedro Frois Meneses
Interpretação | Custódia Gallego, José Leite, Patrícia Andrade/ Márcia Cardoso, Rafael Gomes, Rita Cruz, Vítor Oliveira
Produção | Teatro do Eléctrico
60 Minutos | Maiores de 16 anos
Centro de Arte de Ovar
01 Abr 2022 | sex | 21:30
É sempre uma alegria imensa ver uma sala cheia, mais a mais tratando-se de uma peça de teatro. Dizem-me, à boca pequena, que a razão de ser de tamanha invasão de gente dá pelo nome de Custódia Gallego, figura muito querida do pequeno ecrã, grande chamariz de público amante de telenovelas. Contesto (pelo menos o meu lado idealista contesta), digo que estamos todos ali pelo Ricardo Neves-Neves – esse mesmo, o de “Alice no País das Maravilhas”, “A Menina do Mar”, “Hamster Clown” ou do genial “Banda Sonora” –, pelo Copi, pelo Teatro. Mas isto sou eu a dizê-lo, que não vejo televisão e tão pouco ouvira falar da actriz em dias de minha vida. E se querem saber, na minha modesta opinião, quem foi lá apenas e só pela Custódia Gallego deve ter vindo enfiadito(a). Mas antes de passar um pano sobre este aparte, ainda acrescentarei que não perderam tudo. É que a peça foi boa. A peça É boa!
Os bastidores de um teatro são o palco da acção. Ensaia-se pela noite dentro. O texto tem lacunas, o dramaturgo está ainda a escrevê-lo e não faz ideia de como irá acabar, o que deixa a actriz principal à beira de um ataque de nervos. Estridente, a campainha de um telefone soa. Alguém está a ligar “de uma cabine na Praia dos Marretas”. Passa das três da manhã e escuta-se um aspirador a trabalhar algures. A dúvida instala-se e, com ela, o medo. Há uma mulher (ou será um homem?) deformada que surge por detrás das cortinas. No camarim descobre-se um cadáver. Quem será o assassino? Marcada pela violência, pela transgressão, com um acentuado pendor político, uma crítica desenfreada a uma sociedade hipócrita e cobarde e um humor corrosivo, “A Noite da Dona Luciana” é um produto arquetípico daquela que é a escrita de Copi, povoada por personagens mutantes, que vivem a (homo)sexualidade num constante envolvimento em processos de travestismos, sadomasoquismos, uso de drogas e mortes. Está tudo ali.
O teatro de Copi cai que nem uma luva a Ricardo Neves-Neves e ao seu gosto pela acção contínua, pelo ritmo vertiginoso, pelo histrionismo das personagens e pelas constantes e surpreendentes reviravoltas na história. Ao espectador pede-se apenas que acompanhe o enredo, viva os acontecimentos de fora e que se divirta. Que não perca o seu tempo a descobrir o que é o quê nesta “peça dentro da peça”. Sonho ou vigília, realidade ou ficção, vida ou morte, são simples artifícios de mais uma transgressão (ou transformação) da história. Pode até tratar-se de um suicídio e ser o próprio teatro a cometê-lo, mas até isso (sobretudo isso) é teatro. Num registo que deixa uma piscadela de olho ao Teatro de Revista, “A Noite da Dona Luciana” vive, como já se disse, de um excelente texto e, naturalmente, de belíssimas interpretações, com destaque para Rita Cruz. Um último apontamento para o facto de ter sido esta uma representação com audiodescrição, contando-se entre o público alguns espectadores invisuais. É a cultura tornada mais acessível, o que é também merecedor de um forte aplauso.
[Foto: Alípio Padilha / https://teatrodoelectrico.com/a-noite-da-dona-luciana/]
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