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sábado, 26 de março de 2022

TEATRO: "Orgia"



TEATRO: “Orgia”
Texto | Pier Paolo Pasolini
Tradução | Pedro Marques
Direcção | Nuno M. Cardoso
Instalação | Ivana Sehic
Interpretação | Albano Jerónimo, Beatriz Batarda, Marina Leonardo
Produção | Teatro Nacional 21
120 Minutos | Maiores de 16 anos
Teatro Viriato
19 Mar 2022 | sab | 17:00


Uma semana passou sobre a minha ida ao Viriato (a minha estreia no Viriato) e continuo sem saber situar “Orgia” no universo das representações que tenho vindo a coleccionar. Mais fácil seria passar-lhe por cima, esquecê-la. Mas como esquecer uma peça que faz questão de se fazer lembrada todos os dias? Lembrada pela espacialidade e pelo cenário, pela relação dos actores com a matéria que os envolve, pelo movimento dos corpos, pelos diálogos obsessivos, por um texto denso, hermético, repleto de códigos por desvendar. Pois é, melhor seria ter sido previdente o suficiente para me documentar sobre a peça, de preferência lendo previamente o texto ou até a folha de sala. Quero acreditar que teria percebido um pouco melhor acerca do que se estava a passar no palco, que teria tirado um outro partido da peça. Acreditei que bastaria aquilo que conheço de Pasolini e do seu cinema. Nada mais enganador. Avisadas palavras, as de uma querida amiga ao lembrar-me que “Pasolini não é para fins de semana”.

Fundado no teatro da palavra, com uma fortíssima carga de tragédia grega, “Orgia” fala-nos de identidade pessoal e da procura por liberdade numa sociedade opressora, controladora e reguladora como a que encontrávamos no tempo de Pasolini, nos anos sessenta do século passado, e que, bem vistas as coisas, não se distancia assim tanto daquela que temos nos dias de hoje. “É uma tragédia contemporânea sobre a diversidade e sobre os impulsos obscuros e violentos que movem o ser humano. Mais do que uma peça de teatro, Orgia pode ser definido como um poema a várias vozes, ou um oratório laico que exprime, entre lirismo e declaração, a crise da sociedade contemporânea, representada através de uma obsessão individual. Em “Orgia”, o mistério da fertilidade e os problemas da identidade encontram a obsessão do sexo, objeto de culpa e meio de conhecimento: eis então o delírio de um casal, uma orgia sangrenta de palavras que encontra a sua essência no reconhecimento da diversidade. Não é, no entanto, uma história pornográfica ou erotizada, “Orgia” pertence ao terreno das ideias”, pode ler-se na apresentação da peça.

Ao convidar o público a reflectir num suicídio como homicídio social, “Orgia” representa “um desafio para pensar a dualidade entre o ‘eros’, nos seus níveis do corpo, do coração e do sagrado, e o ‘tânatos' na sua dimensão de morte”. No ano em que se assinala o centenário do artista italiano, o Teatro Nacional 21, o encenador Nuno M. Cardoso e os actores Albano Jerónimo, Beatriz Batarda e Marina Leonardo revisitam o texto de Pasolini, num exercício de representação com tanto de entrega como de cumplicidade. É notável a forma como, ao longo de duas horas, nos prendem às suas figuras e nos levam a mergulhar na arte da representação naquilo que tem de mais fascinante: a capacidade de dizer o texto. Há, depois, a forma como se relacionam com o meio, como tiram partido desse elemento primordial que é a terra, simultaneamente sujeito e objecto de corpos que, no seu despojamento, se misturam e se estendem, espectrais, sobre a plateia. O texto, bem, isso já é outra história. Vou ter de o ler!

[Foto: Bruno Simão | Culturgest | https://en.calameo.com]

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