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quarta-feira, 30 de março de 2022

TEATRO: "Floresta de Enganos"



TEATRO: “Floresta de Enganos”,
Texto | Gil Vicente
Encenação | João Pedro Vaz
Cenografia e figurinos | Sara Vieira Marques
Interpretação | Afonso Santos, Hugo Paz, Joana Carvalho, João Melo, Lia Carvalho, Mário Santos, Rodrigo Santos e Ananda Miranda
Produção | Teatro Nacional São João
100 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Nacional São João
20 Mar 2022 | dom | 16:00


Escrita e representada pela primeira vez em Évora em 1536, “Floresta de Enganos” é a última obra de Gil Vicente. Considerada, a muitos títulos, como uma “peça-problema” dentro da obra vicentina, ela está recheada de enigmas e mistérios, de subentendidos que deixaram de ter o seu contexto, em que se cruzam os planos de seres mitológicos e terrenais.  A Compilação de 1562 classifica-a como uma “comédia” e é esse o tom em que a peça se desenvolve, com personagens que reciprocamente tentam enganar-se em histórias paralelas e um “gran finale”, com casamento e música. No prólogo, o Filósofo anuncia mesmo uma “fiesta de alegría”, que começa com um Mercador que “pensando d’enganar, / ha de quedar engañado” e nos há-de contar a história de Grata Célia, filha do Rei Telebano, vítima dos amores do próprio Cupido e dos sucessivos enganos que este engendra para conquistar o afecto da Princesa.

“Olha-me e olha-te bem”. Isto escreveu Gil Vicente, “o mais Anjo e o mais Demónio de todos os poetas portugueses”, num epitáfio a si próprio. Carregado de visões, vicentinas e outras, o encenador João Pedro Vaz pegou no texto e, por seu intermédio, fez um convite ao espectador a que se deixasse conduzir, como num sonho de uma noite de Verão, através desta autêntica floresta, “desde sempre o espaço maior do idílio e do engano, da transformação pelo amor, ou seja, do teatro.” Reuniu-se, para tal, de um excelente leque de actores e de uma instrumentista, Ananda Miranda, que em palco pontuou algumas cenas com trechos musicais extraídos do seu alaúde renascentista, dando corpos às figuras de um filósofo com um parvo atado ao pé, de um homem em trajos de viúva com uma mocinha, de um duque pelegrino, de um doutor de leis, de um Apolo, de uma Vénus ou de um Cupido.

Pegando nas palavras de Paula Oliveira Cruz, no texto que integra o Manual de Leitura da peça, “Gil Vicente era um homem do seu tempo e que escreveu para o seu tempo (…) mas, se não conhecêssemos a data da primeira apresentação, e se o texto nos perguntasse ‘que idade me dás?’, talvez lhe tirássemos uns séculos…”. E, mais à frente, “nesta floresta faz-se uma espécie de zapping: de mestre de cerimónias, corta para Mercador, corta para Vénus, corta para Cupido, corta para Apolo, corta para Grata Célia, corta para Doutor, volta a Grata Célia e happy end. Como elemento de continuidade e de coesão temos a floresta de enganos, que pode ser uma floresta ‘a sério’, mas também a fingir, com vidas a fingir, enganos, decepções, traições, assédio, violência de género. Há liberdades que só ali são permitidas. A floresta é esse espaço de liberdade. Onde é que já vimos isto?” Mestre Gil é um “texto vivo” que oferece a possibilidade de nos revermos e sonharmos.

[Foto: TNSJ | https://www.tnsj.pt/]

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