LIVRO: “Porque Deixei de Falar com Brancos Sobre Raça”,
de Reni Eddo-Lodge
Texto original | “Why I’m no Longer Talking to White People About Race” (2017)
Tradução | Miguel Martins
Prefácio | Mamadou Ba
Ed. Edições 70, Agosto de 2021
“(…) há uma espécie de irónica e gritante falta de compreensão ou de empatia face àqueles de nós que temos sido claramente excluídos pela nossa diferença, durante todas as nossas vidas, e que vivemos com as consequências disso. É, verdadeiramente, uma vida inteira de autocensura que as pessoas de cor têm de viver. As opções são: dizermos as nossas verdades e sofrermos as represálias, ou engolirmos sapos e progredirmos na vida. Deve ser uma vida estranha, terem sempre autorização para falar e sentirem-se indignadas quando, por fim, lhes é pedido que ouçam. Suponho que isso decorra dos direitos adquiridos, e nunca postos em causa, das pessoas brancas.”
Ao ler as primeiras páginas de “Porque Deixei de Falar com Brancos Sobre Raça”, decidi fazer alguns exercícios simples baseados na minha própria experiência, ao mesmo tempo que abordava com alguns dos meus amigos, ainda que superficialmente, certas questões relacionadas com o racismo estrutural – curiosamente, nessa mesma altura, na turma da filha de um dos meus amigos, professores e alunos procuravam lidar da melhor forma com uma sequência de episódios de contornos raciais. Rapidamente me dei conta o quão complicado se torna reconhecer que ser branco representa um privilégio nas nossas sociedades, em particular se o meio em que nos inserimos é constituído, de forma esmagadora, por pessoas brancas. Não temos, sequer, consciência que o “mérito” de muitos possa estar na cor da pele e que, ao nosso lado, uma minoria seja vítima do preconceito e da discriminação. É então que as palavras de Reni Eddo-Lodge ecoam nas nossas cabeças com a força das verdades insofismáveis.
Profundamente irónico, o título do livro é todo um programa que parece contradizer os seus próprios desígnios, uma vez que a autora não faz outra coisa senão falar sobre raça com o leitor. Ao fazê-lo, o seu alvo é claramente o leitor branco, a quem se dirige com firmeza e determinação, exortando-o a reconhecer e a combater o racismo. Neste que é o primeiro livro da jornalista e escritora britânica, género, classe e raça surgem ligados de forma inextrincável. A realidade é a britânica, cuja relação com a negritude é de força e de prepotência desde os tempos da escravatura, dos espancamentos, sofrimento e trabalhos forçados, de subjugação e de domínio absoluto. Assente na sua própria verdade, a autora mostra, de forma clara, o que é o privilégio branco, o porquê do medo de um “planeta negro”, a perspectiva do feminismo interseccional das mulheres negras (que Angela Davis tão bem expõe no seu “A Liberdade é uma Luta Constante”), o racismo inverso. A desesperança toma conta das suas palavras: “Caso acompanhemos as notícias e os temas da actualidade, descobriremos que todos os dias há uma nova razão para justificar que já não fale com pessoas brancas acerca de raça. Há tanta injustiça, e há tantas razões para que guardemos para nós próprios o nosso desespero face a isso. Podemos vê-la, mas não nos atrevemos a falar disso, por medo de sanções sociais.”
Para finalizar, um breve apontamento sobre o prefácio que vem assinado por Mamadou Ba. Nele o activista português refere que este livro “podia perfeitamente ter sido escrito por uma portuguesa negra, nascida e criada aqui, porque identifica e retrata na perfeição o cordão umbilical que liga racismo estrutural, institucional e sociocultural à história colonial e suas continuidades históricas que continuam a marcar as relações sociais, culturais, políticas e económicas das nossas sociedades”. Terminado o livro, sinto que não concordo em absoluto com esta afirmação. A consciencialização plena do fenómeno do racismo não é uma realidade no Reino Unido, estando a anos-luz de distância daquilo que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos da América. Em Portugal, porém, simplesmente não existe. A História é branqueada, as agressões são desvalorizadas, a memória extingue-se. É preciso lembrar que Carlos Reis, Nuno Manaças Rodrigues, Elson Sanches, Musso, Alcindo Monteiro, Wilson Neto, Giovani Rodrigues ou Bruno Candé não são simples nomes no final de um texto.
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