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quarta-feira, 16 de março de 2022

LIVRO: "As Sombras de Uma Azinheira"



LIVRO: “As Sombras de Uma Azinheira”,
de Álvaro Laborinho Lúcio
Edição | Lúcia Pinho e Melo
Ed. Quetzal Editores, Fevereiro de 2022


“Desistir, nunca. Mas não é fácil. À medida que os entusiasmos se vão perdendo, que os planos iniciais vão saindo furados, o pessoal começa a debandada. E isto toca a todos, mesmo aos mais desfavorecidos. O consumo atinge-os como se fosse um vírus e, quando se vai por eles, já estão noutra onda. Não fazes ideia, pá. Outros, mais hábeis, são agora defensores acérrimos daquilo que há pouco combatiam com unhas e dentes. A política está toda encaixada ao centro, João, é aí que está o voto e, como sabes, o centro é oscilante. Nos dias de hoje, não uma grande diferença entre centro e direita. Não vês o Partido Socialista quando chega ao poder? Ganha à esquerda e governa à direita.”

João Aurélio e Maria Antónia há muito que ambicionavam uma mudança política em Portugal. A mulher está grávida e, quis o acaso, dá à luz uma menina na madrugada de 25 de Abril de 1974. Catarina vinga, a mãe não. A partir desse momento, João Aurélio torna-se um desistente e vai renunciar a tudo, ao desígnio da mudança, à sua militância política ligada ao Partido Comunista Português, inclusive à própria filha, entregue à guarda de uns tios desde então. Inteligente, profundamente independente e livre, Catarina tornar-se-á uma aluna brilhante e, mais tarde, uma professora universitária estimada pelos alunos e reconhecida pelos seus pares. Mas a sua vida será sempre feita de incertezas e desassossego, pautada pela busca de respostas para o que representa para si o 25 de Abril, se a data do seu nascimento ou apenas a data de uma revolução. É esta questão, que ela interioriza ao longo da vida, que nos irá dar a imagem de um Portugal novo mas, também ele, à procura da sua identidade.

Estimulado pela aproximação dos 50 anos do 25 de Abril, Álvaro Laborinho Lúcio regressa ao convívio dos leitores com um novo livro, “As Sombras de Uma Azinheira”, no qual adopta como eixo central o fim da ditadura e a conquista da liberdade. Este é o ponto de partida para uma reflexão, em forma de romance, sobre as mudanças que a sociedade experimentou e o que significa, no presente, viver em democracia. Furtando-se ao debate político, deixando nas mãos do leitor a responsabilidade de tecer os seus próprios juízos sobre os 45 anos que antecederam o 25 Abril de 1974 e os 45 anos que lhe sucederam, o autor pede-lhe que olhe para as lutas de uma classe média comum empenhada em combater o fascismo e derrubar a ditadura e perceba de que forma a redefinição da identidade de um país se cruza com a sua própria definição enquanto parte integrante deste Portugal de Abril.

Fazendo do romance uma forma de intervenção política e cívica, Álvaro Laborinho Lúcio oferece-nos um belo livro, hábil nas considerações que tece à forma como o país evoluiu e na construção de pontes com o leitor que o possam implicar nesse processo. Entre resistentes, desistentes, lutadores, acomodados, intransigentes, descontentes ou inquietos, aqueles que atravessámos Abril ou que já nascemos em democracia somos responsáveis pelo país que ajudámos a construir. Respondendo a Álvaro Laborinho Lúcio e às questões que o livro levanta, tenho a noção de que as minhas escolhas pessoais reflectem o peso (a espessura?) da democracia e tenho (terei?) os políticos que mereço. Mas desfiz-me de mordaças, sou livre de pensar e de agir, participo na tomada de decisões, ajudo a fazer face a novas necessidades sociais e dou o meu contributo para a construção da acção colectiva, o que não é pouco se pensarmos no que tínhamos antes do 25 de Abril. Mas isto - por meu livre pensamento - sou eu a dizê-lo.

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