“Hoje é dia de festa / Cantam as nossas almas / Para a Banda Bingre Canelense / Uma salva de palmas”. Foi com viva emoção que, de pé, o público entoou os “parabéns a você” à mais antiga colectividade do Concelho de Estarreja. A festejar 157 anos de uma vida ininterrupta em prol das artes e da cultura, a Banda Bingre Canelense apresentou-se num Cine-Teatro de Estarreja completamente esgotado para duas horas de um concerto que ficará na memória de todos aqueles que a ele tiveram o privilégio de assistir. Sob a batuta do maestro Nélson Aguiar, foram mais de setenta os músicos em palco, sendo de realçar uma forte presença de instrumentistas muito jovens, nomeadamente do sexo feminino. Sobre todos eles recaiu o ónus de fazer, uma vez mais, brilhar a Banda, até porque o convidado, em data tão festiva, dava pelo nome de José Cid, figura ímpar da música portuguesa e que, com 80 anos acabados de fazer, continua a mostrar uma forma invejável e a tirar o melhor partido de uma voz única e de uma presença desempoeirada e despida de filtros.
Pautando o alinhamento do concerto pela revisitação de muitos dos temas que fazem a história de uma extraordinária carreira e que são clássicos incontornáveis do nosso património musical, José Cid começou por cantar “No Dia em Que o Rei Fez Anos”, “Ontem, Hoje e Amanhã” e “Sou Galego Até ao Mondego”, prosseguindo com “A Cabana Junto à Praia”, tema com uma cuidada orquestração de Nélson Aguiar e no qual cabe uma referência ao belíssimo solo de oboé de Ana Sofia. Entretanto já o cantor falara da conquista do Prémio “Composição Notável”, no Festival Yamaha de Tóquio e do seu encontro com Elton John, da “pressão” que a Central Nuclear de Almaraz coloca sobre o Tejo e que pode vir a fazer de Estarreja a capital do País, das tareias que o Dom Afonso Henriques dava na mãe, dos riscos de se fazer xixi dentro de uma cabana junto à praia, ao mesmo tempo mostrando um enorme à vontade ao interromper o concerto para atender o telemóvel.
“O cemitério está cheio de ditadores”, lembrou José Cid antes de prestar um sentido tributo ao povo ucraniano com o tema “Não Me Chames Sonhador”, escrito pelo saudoso João Paulo Pereira. Dispensados os préstimos da Banda, o cantor prosseguiu com “Se Chico Buarque Me Cantasse Um Fado” e “Fado de Nossa Senhora”, para de novo chamar os músicos e, entretanto, falar dos seis segundos lugares no Festival RTP da Canção e da vitória em 1980, com uma “mãozinha” do Sá Carneiro e uma conversa em Haia com a Directora da Televisão espanhola, “a grande Anona”, de permeio. Foi, depois, a vez de escutarmos “Um Grande, Grande Amor”, mais uma enorme orquestração para um tema que toda a gente na sala acompanhou a plenos pulmões. Seguiu-se “Cai Neve em Nova Iorque” e, também aqui, há a destacar Ricardo Rosas e os extraordinários solos de saxofone a pontuarem a canção. No seu ambiente – “que animado que isto está” –, já sem o casaco vestido, José Cid mostrou o quanto os momentos de palco são de felicidade plena, de festa e diversão, olhos nos olhos com o público, sempre a celebrar. E sempre a provocar (“este foco por cima de mim faz tanto calor que parece que estou a cantar na Argélia”).
Entramos na recta final do concerto e “Vinte Anos” foi saudado (e cantado) com euforia. Seguiu-se “Olinda a Cigana”, um tema previsto para ser interpretado a solo mas ao qual os músicos da Banda se foram associando paulatinamente, criando um momento de grande cumplicidade entre todos, no palco e fora dele. Uma breve abordagem ao seu 25º álbum de originais, “Vozes do Além”, recentemente editado, precedeu “Como o Macaco Gosta de Banana” e, num final verdadeiramente apoteótico, “A Minha Música”. E quando se pensava que o concerto tinha chegado ao fim, José Cid fez questão de associar uma última música ao alinhamento, num “encore” que estreitou laços entre o palco e o público nesta verdadeira celebração da música. “No dia em que o rei fez anos / Houve arraial e foguetes no ar / O vinho correu à farta / E a fanfarra não parou de tocar / E o povo saiu à rua / Com a alegria que costumava ter / Cantando se o rei faz anos / Que venha à praça, para nos conhecer”. Que bonita que a festa foi!
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