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domingo, 27 de fevereiro de 2022

LIVRO: "A Liberdade É Uma Luta Constante"



LIVRO: “A Liberdade É Uma Luta Constante”,
de Angela Davis
Texto original | “Freedom Is a Constant Struggle - Ferguson, Palestine, and the Foundations of a Movement” (2015)
Organização e introdução | Frank Barat
Tradução | Tânia Ganho
Ed. Antígona, Junho de 2020

“Eu diria que, à medida que amadurecem, as nossas lutas geram novas ideias, novas questões e novos terrenos nos quais nos empenhamos na demanda pela liberdade. Tal como Nelson Mandela, devemos estar dispostos a abraçar o longo caminho para a liberdade.”

Inscrita no título do livro, primeira de uma série de ideias-chave que o preenchem, “a liberdade é uma luta constante” representa um verdadeiro dogma para todos aqueles que, na sua grande maioria pobres e pessoas não-brancas, se bateram e batem contra a discriminação e o preconceito de raça, género, classe, sexualidade, nacionalidade ou capacidade. Evocando questões como a militarização das forças policiais, o aparelho prisional-industrial ou as redes de vigilantes de bairro, Angela Davis junta-se-lhes, mergulhando bem fundo na raiz dos vários problemas, lembrando que o uso da violência contra os negros - contra os não-brancos em geral - tem as suas origens na colonização e na escravatura. É hora de evocar a violência estatal, a violência policial, a violência militar e todos aqueles que delas foram vítimas, de Martin Luther King Jr. a Nelson Mandela, de Michael Brown a Trayvon Martin, de Malcolm X a Assata Shakur ou à própria Angela Davis.

Expondo os principais factores de divisão das nossas sociedades, Angela Davis dá-nos uma verdadeira lição de História ao trazer para os nossos dias o Ku Klux Klan e o movimento pelos Direitos Civis, o Black Power, o Programa dos Dez Pontos dos Panteras Negras ou a luta levada a cabo pelo ANC durante a longa noite do apartheid sul-africano, fundindo-os com a hegemonia do Group 4 Security, o maior grupo privado de segurança do mundo, os confrontos de Charleston e Ferguson, a causa Palestiniana ou a presença de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos da América. Neste livro a autora reclama o fim do encarceramento em massa e da pena de morte, chama a atenção para a forma como o racismo estrutural está profundamente enraizado nas nossas sociedades e lembra que, em muitos sentidos, a luta dos negros nos Estados Unidos serve como emblema da luta pela liberdade. O apelo à acção é uma constante, com a autora a entregar-se a um verdadeiro exercício de interseccionalidade: “Quando vemos a polícia a reprimir manifestações em Ferguson, temos de nos lembrar também da polícia israelita e do exército israelita a reprimirem manifestações na Palestina ocupada”, diz.

Repartindo-se entre as entrevistas que Angela Davis concedeu a Frank Barat, alguns dos seus discursos proferidos em contexto académico ou conferências públicas e ainda um artigo de opinião publicado no The Guardian, “A Liberdade É Uma Luta Constante” é um livro intenso e poderoso. Diabolizada pelo governador da Califórnia Ronald Reagan, demitida do cargo de professora auxiliar de Filosofia por ser filiada no Partido Comunista, número 1 na Lista dos Mais Procurados pelo FBI e presa, depois julgada num processo que se tornou histórico, Angela Davis revela uma enorme determinação em manter-se fiel à sua vocação revolucionária e é, por isso, uma inspiração para aqueles que reconhecem em si a vontade e a capacidade de agir como parte de uma crescente comunidade de resistentes. Martin Luther King Jr. dizia que “a injustiça em qualquer parte do mundo é uma ameaça à justiça em todo o mundo” e é nessa linha que converge o pensamento de Angela Davis. As suas palavras, as suas acções, obrigam-nos a estender o olhar para bem longe de nós próprios e desafiam-nos a abraçar a luta pela liberdade.

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