Quase, quase a terminar, a exposição “Lisboa Clichê” é, por estes dias, um acontecimento incontornável no panorama cultural da cidade de Lisboa. A mostra reúne um conjunto de fotografias tiradas na capital entre o final da década de 1980 e o início dos anos 90, às quais Daniel Blaufuks regressou três décadas depois, perante a indelével e acelerada transformação da cidade. Durante o primeiro confinamento, o artista começou por publicar algumas destas fotografias nas suas redes sociais, o que evoluiu para a construção de uma página de Instagram com o título que deu o mote para esta exposição, partilhando, entre março e outubro de 2020, imagens e textos de espaços, ambientes e pessoas de uma Lisboa já parcialmente desaparecida. Três centenas dessas fotografias formam o corpo de um livro publicado em Setembro de 2021 pela editora Tinta-da-china e, destas, oitenta estão expostas até amanhã no Palácio Pimenta - Museu de Lisboa, ao Campo Grande.
“Lisboa Clichê” pode ser visto como o prenúncio de uma Lisboa mais cosmopolita, mais arejada, dando lugar a tempos de maior prosperidade e afirmação nacional e internacional. Conferindo às imagens um certo ar de clichê, são inúmeros os detalhes que marcam uma época e um tempo que, sabemo-lo bem, não volta. Perante as imagens de Blaufuks, distinguimos com nitidez o que é passado do que é presente, num exercício que nos leva mais longe, ao reconhecimento das alterações que vieram modelar os nossos interesses e vontades. Mas é incontornável não percebermos numa crescente massificação a causa directa da perda de um conjunto de marcos identitários que conferiam aos mais variados espaços a aura poética, que o artista evoca e partilha, de uma outra época, de uma outra Lisboa, «a nossa Alexandria», nas suas palavras.
À força que se derrama do lado documental da fotografia de Daniel Blaufuks, junta-se a sua arte de captar o momento na sua essência, carregando de força e emoção cada uma das imagens. Nos rostos, como nas poses dos retratados, é particularmente significativo o contraste entre aqueles que carregam ainda essa espécie de fado que as “águas passadas” do 25 de Abril adensaram e os que vêem o futuro carregado de oportunidades, uns e outros cientes de que está em curso um processo que irá mudar o rosto à cidade e que, muito em breve, nada será como dantes. É com isto em mente que vemos desfilar, ante o nosso olhar, lugares que reconhecemos e pessoas que nos são queridas, uns e outras tão diferentes, justos contrapontos de um tempo cuja marcha inexorável não se detém. Não há saudosismo nas imagens de Daniel Blaufuks. Há, isso sim, a consciência do que fomos e do que somos, o que é meio caminho andado para entender e abraçar o futuro.
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