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quarta-feira, 20 de outubro de 2021

LIVRO: "O Lugar das Árvores Tristes"



LIVRO: “O Lugar das Árvores Tristes”,
de Lénia Rufino
Ed. Manuscrito, Março de 2021


“A rapariga pediu desculpa, disse que só queria saber e saiu em passo apressado. Cada vez mais tinha a certeza de que aquela história não era assim tão simples e cada vez mais desejava descobrir como tinha morrido Eulália. Foi para casa a passo lento, aproveitando o caminho para pensar. Tinha a certeza de que toda a gente da aldeia sabia a resposta, mas, por algum motivo estranho e seguramente pouco razoável, ninguém lhe dizia a verdade. Pôs-se a pensar quem poderia corromper a ponto de ficar a saber afinal de que morrera a mulher. Mas se nem a sua própria mãe queria responder-lhe… (…)”.

Alto Alentejo, Verão de 1992. Entre livros e mortos, é numa pequena aldeia que Isabel passa os seus dias. Dos primeiros guarda as histórias, mas são também as histórias que nutrem esta sua peculiar apetência por cemitérios, lugares de árvores tristes que lhe trazem as memórias daqueles que conheceu e lhe aguçam o interesse pelos muitos outros que nunca cruzaram a sua vida mas cujas histórias gosta de imaginar. Caminhando ao longo de veredas de silêncio e solidão, a sua curiosidade acabará por levá-la por caminhos imprevistos. A grande história, afinal, está ali bem ao pé, dentro de portas, protagonizada pela própria mãe. Uma história perturbadora, de contornos pouco definidos, onde cabem a intriga, a mentira, o preconceito, a maldade e o medo e onde se cruzam, paredes adentro, aqueles que detêm o poder de fazer valer a moral e os bons costumes, com o numeroso rebanho de gente humilde e submissa que se verga à sua passagem.

É por demais sabido que não basta ter na mão os ingredientes certos, tão pouco ser-se detentor de recursos de escrita que segurem habilmente o complexo exercício de alinhar uma palavra a seguir a outra, para que daí resulte um bom livro. Haverá sempre um propósito naquilo que se escreve e na forma como é escrito que se transforma em objecto de escrutínio por parte do leitor e que o leva, no “deve e haver” desse investimento chamado leitura, a dar por bem ou mal empregue o tempo à roda do livro. No caso de “O Lugar das Árvores Tristes”, com muita pena minha, o balanço não é positivo. A desconfiança instalou-se desde as primeiras páginas e foi-se avolumando graças à forma pouco subtil como a história é contada. No preciso momento em que a imagem de uma santa aterra com força na cabeça de uma mulher, matando-a, o livro morreu para mim.

Falta a Lénia Rufino e a este seu “O Lugar das Árvores Tristes” a perspicácia para seguir com a trama de forma a que o interesse pela história vá crescendo e se afirme no coração do leitor como uma urgência. O domínio das personagens revela-se escasso e, não raramente, a autora vê-se obrigada a “guinar” com a história, dando nota da sua inexperiência na arte da “condução”. A previsibilidade acaba por se assumir como a grande marca do livro, retirando a emoção e o prazer ao virar de cada página. Ainda que alinhada com os que sofrem no corpo e na alma as agruras dos crimes de que foram vítimas, mesmo fazendo brotar das páginas a raiva que as situações implicam, a necessária denúncia e a reparação que se exige, Lénia Rufino mostra-se incapaz de fugir ao discurso resignado e à fuga como forma de reagir à adversidade. Merece-me respeito a autora pela coragem de abordar um tema tão sensível nesta sua incursão inaugural no romance, mas não consigo ir além disto perante um livro que me irritou mais do que me agradou.

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