Páginas

quarta-feira, 16 de junho de 2021

CINEMA: "Prazer, Camaradas!"



CINEMA: “Prazer, Camaradas!”
Realização | José Filipe Costa
Argumento | José Filipe Costa
Fotografia | Hugo Azevedo
Montagem | João Braz
Interpretação | José Avelino, João Azevedo, Amanda Booth, Patricia Butler, Mick Greer, Joaquim Lopes, Filomena Matos, António Rodrigues, Cecília Rodrigues, Eduarda Rosa, Celia Williams, Eduarda Rosa, José Valada, Lucinda Tomás, Olga Alves
Produção | João Miller Guerra, Filipa Reis
Portugal | 2019 | Histórico, Documentário, Ficção | 105 Minutos | Maiores de 12
Cinema Vida
12 Jun 2021 | sab | 16:00


De objectivos bem concretos e definidos, mas também de muitos sonhos e de muita ilusão, se fez o 25 de Abril. Sem derramamento de sangue (ou quase), a revolução dos cravos irmanou trabalhadores e soldados nessa euforia de termos um Portugal novo e livre, exaltando o fim da ditadura, o adeus às armas, o povo unido, a unicidade sindical ou a terra a quem a trabalha. A uma só voz cantou-se “paz, pão, habitação, saúde, educação”. Promoveram-se assembleias, fizeram-se comícios, esgrimiram-se ideologias e levantaram-se muralhas de aço na força de camaradas Vascos. Depois a revolução esgotou-se nos seus propósitos, a política e os políticos tomaram conta do País e foi o que se viu. Até hoje. No entretanto, essa mesma revolução fez eco além fronteiras e foram muitos os estrangeiros que rumaram a Portugal para verem com os próprios olhos aquilo que apenas era expectável na América Latina. Quarenta e seis anos depois, de regresso aos locais onde, de forma espontânea e generosa, contribuíram para o processo revolucionário em curso, devolvem-nos o seu olhar. 

Tingida de rubro, “em cada esquina um amigo”, esta “idade da inocência” da nossa revolução serve de pano de fundo à acção de “Prazer, Camaradas!”, o segundo documentário de José Filipe Costa. Na esteira do seu trabalho anterior, “Linha Vermelha” (2011), e do muito celebrado “Torre Bela” (1977), do realizador alemão Thomas Harlan, o filme mergulha nos ambientes revolucionários vividos em herdades de Manique do Intendente e Aveiras de Cima, na região do Ribatejo, recuperando histórias e memórias que falam do entusiasmo em torno da colectivização da propriedade, da vida comunitária, do fervor ideológico, do combate ao analfabetismo e da desmistificação de questões tão básicas como a própria sexualidade. José Filipe Costa reúne alguma das figuras de então e, fazendo-as recuar no tempo, volta a juntá-las à mesa, a fazer a lida da casa, a mugir as cabras ou a ajudar os cabritos a nascer, a dar um passo de dança nos bailes de roda e a confrontar-se com o esmagador choque cultural que viria a marcá-las para sempre.

Praticamente dois anos depois da sua estreia no Festival de Locarno, com uma pandemia pelo meio, “Prazer, Camaradas!’” chega finalmente às salas portuguesas. Em Ovar, na tarde do passado sábado, a sessão contou com a presença do realizador. Nela, José Filipe Costa reforçou a ideia de que este documentário constituiu uma espécie de jogo lúdico, propondo-se a actores não profissionais que dramatizassem as memórias de uma revolução que não foi apenas política, mas também sexual e de costumes. O argumento surgiu de um conjunto de relatos orais, textos literários e diários da época de estrangeiros e portugueses ex-exilados que, além de ajudarem nos trabalhos agrícolas, observavam e registavam o que viam e viviam com os portugueses. “Eram uma espécie de antropólogos improvisados que se encantavam e decepcionavam com o que viam, transcrevendo os poemas e os ditos dos camponeses, assinalando as distâncias pudicas entre os corpos nos bailes tradicionais ou descobrindo o trágico destino dos solteirões atingidos pela guerra colonial”, referiu o realizador.

Sem comentários:

Enviar um comentário