LIVRO: “Quartos de Final e Outras
Histórias”,
de Cláudia Andrade
Ed. Elsinore, Setembro de 2019
Chama-se “Para Vós” e é uma das
boas peças de teatro a que assisti no ano que agora chega ao fim. A
sua criadora e directora artística dá pelo nome de Cláudia
Andrade, nela residindo o principal motivo para a aquisição deste
“Quartos de Final e Outras Histórias”, mal o vi nos escaparates
da FNAC, antevendo já o gozo duma escrita exemplar e de um belo par
de serões à roda do livro. A escrita é, de facto, exemplar e os
serões à roda do livro revelaram-se perfeitos. Esqueci-me, contudo,
de que “há mais Marias na terra”, dando comigo a perceber, já
depois de terminada a sua leitura, que a Claúdia Andrade que escreve
este livro não é a Cláudia Andrade que eu pensava que o tinha
escrito. Mas bem que podia ser, já que encontrei um paralelismo
muito forte entre a peça e o livro, o pensamento de ambas as autoras
a fluir de forma livre e inteligente, o enorme cuidado no
desenvolvimento da acção narrativa a vir ao de cima, a vida, tal
como ela é, exposta cruamente, nas fraquezas como nas forças.
Conjunto de dezoito inspirados contos, “Quartos
de Final e Outras Histórias” desenvolve-se em torno de um assunto
muito particular: a morte. Absurda, irracional, libertadora,
misteriosa, ritualizada, redentora e sempre, mas sempre inexorável,
ela surge perante o leitor como a face de uma delicada e efémera
moeda, no reverso a vida, plena e vibrante, seu contraponto e
pressuposto natural. É isto que toma conta do leitor, conto após
conto, naquilo que constitui um convite à reflexão sobre todo um
processo que, se angustiante, porque revelador da nossa finitude, é
sobretudo catártico e pacificador, tendente a desmistificar todo um
discurso ambivalente e carregado de fugas, condicionamentos e
contradições. Ao contrário do que poderia supor-se, este acaba por ser um livro paradoxalmente leve, onde a ironia se funde com um
requintadíssimo sentido de humor, proporcionando uma leitura fluida
e que pede, com frequência, uma boa gargalhada.
No predestinado Manuel, na renitente
Adelaide, no condenado Diógenes, no frágil Pedro ou na resoluta
Agnes, há todo um catálogo de emoções e sentimentos que remetem
para a imponderabilidade de estar vivo e para aquilo que cada um faz
da própria vida. A forma como a alegria se trasmuta em tristeza e
dor, como se domestica o medo, como se abraça uma nova vida ou como
um simples gesto pode condicionar toda uma existência, são aqui
expostos por Cláudia Andrade com refinamento e elegância, a
construção frásica a evidenciar a enorme qualidade da sua escrita, uma imaginação delirante a apontar caminhos insuspeitos e que vemos desembocar no mais recôndito da alma. Cláudia Andrade é uma escritora que
importa conhecer, podendo “Quartos de Final e Outras Histórias”
ser um excelente ponto de partida. Através dele corremos pela
estrada dos sentidos e da memória, aflorando a eternidade dos
instantes em que fomos felizes.
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