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domingo, 17 de fevereiro de 2019

LIVRO: "Quando as Girafas Baixam o Pescoço"



LIVRO: “Quando as Girafas Baixam o Pescoço”,
de Sandro William Junqueira
Ed. Editorial Caminho, Setembro de 2017


“A girafa possui pernas longas, sendo as dianteiras mais altas do que as traseiras. E o pescoço mais comprido de todo o reino animal. Na girafa, devido ao comprimento do seu intransigente pescoço, o coração situa-se demasiado longe da cabeça. Só quando a girafa se baixa para beber água é que a cabeça se aproxima do coração. E só devido a um excecional e complexo sistema vascular é que a cabeça não se lhe rebenta quando volta a erguer o pescoço”. Quarto romance de Sandro William Junqueira, “Quando as Girafas Baixam o Pescoço” está longe de ser um olhar sobre as alterações adaptativas das girafas e das suas particularidades anatomo-fisiológicas, antes adopta-o a título de exemplo para nos dar a ver o homem, esse outro mamífero, na sua luta diária para que o cérebro não expluda, quando e sempre que tem de baixar a cabeça. E são demasiadas as vezes em que isso acontece.

De gente desempregada, mulheres gordas, jovens anoréticas, homens que gostam de livros, bocas sedutoras de lábios vermelhos, adolescentes musculados, velhos que dormem com as pistolas debaixo da almofada ou profetas que entoam obscenos fins de mundo a troco de algumas moedas ou restos de comida, se tece a trama de “Quando as Girafas Baixam o Pescoço”. Mas também de sementes que se lançam à terra com as mãos trémulas da esperança, de blocos onde as notas escritas ajudam a pôr a vida nos devidos lugares ou de cães que levam homens não castrados em passeio e os trazem de regresso a casa. Deste amontoado de vidas entrecruzadas, incapazes de perceber o efeito que produzem umas nas outras e fazendo o seu caminho numa solidão que se adensa a cada passo, se constrói “Quando as Girafas Baixam o Pescoço”.

Tal como as girafas, também as personagens deste romance vivem em comunidade, ocupando um território geograficamente bem definido, marcado por códigos sociais que, de certa forma, as hierarquizam. Todas elas avançam de cabeça erguida, mas todas elas travam, todos os dias, a batalha da sobrevivência, tantas as vezes em que são obrigadas a baixar-se, uma centelha de esperança conservada nas pequenas adaptações que vão desenvolvendo mas que mais não garantem do que a possibilidade de viverem um dia de cada vez, sem grandes ilusões quanto àquilo que o futuro lhes reserva. É notável a forma como Sandro William Junqueira prova não haver espaço para milagres felizes e nos apresenta a vida como essa grande prestidigitadora, nunca falhando nos seus truques e conseguindo iludir-nos sempre. A ler, absolutamente!

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