LIVRO: “Quando as Girafas Baixam o
Pescoço”,
de Sandro William Junqueira
Ed. Editorial Caminho, Setembro de
2017
“A girafa possui pernas longas, sendo
as dianteiras mais altas do que as traseiras. E o pescoço mais
comprido de todo o reino animal. Na girafa, devido ao comprimento do
seu intransigente pescoço, o coração situa-se demasiado longe da
cabeça. Só quando a girafa se baixa para beber água é que a
cabeça se aproxima do coração. E só devido a um excecional e
complexo sistema vascular é que a cabeça não se lhe rebenta quando
volta a erguer o pescoço”. Quarto romance de Sandro William
Junqueira, “Quando as Girafas Baixam o Pescoço” está longe de
ser um olhar sobre as alterações adaptativas das girafas e das suas
particularidades anatomo-fisiológicas, antes adopta-o a título de
exemplo para nos dar a ver o homem, esse outro mamífero, na sua luta
diária para que o cérebro não expluda, quando e sempre que tem de
baixar a cabeça. E são demasiadas as vezes em que isso acontece.
De gente desempregada, mulheres gordas,
jovens anoréticas, homens que gostam de livros, bocas sedutoras de
lábios vermelhos, adolescentes musculados, velhos que dormem com as
pistolas debaixo da almofada ou profetas que entoam obscenos fins de
mundo a troco de algumas moedas ou restos de comida, se tece a trama
de “Quando as Girafas Baixam o Pescoço”. Mas também de sementes
que se lançam à terra com as mãos trémulas da esperança, de
blocos onde as notas escritas ajudam a pôr a vida nos devidos
lugares ou de cães que levam homens não castrados em passeio e os
trazem de regresso a casa. Deste amontoado de vidas entrecruzadas,
incapazes de perceber o efeito que produzem umas nas outras e fazendo
o seu caminho numa solidão que se adensa a cada passo, se constrói
“Quando as Girafas Baixam o Pescoço”.
Tal como as girafas, também as
personagens deste romance vivem em comunidade, ocupando um território
geograficamente bem definido, marcado por códigos sociais que, de
certa forma, as hierarquizam. Todas elas avançam de cabeça erguida,
mas todas elas travam, todos os dias, a batalha da sobrevivência,
tantas as vezes em que são obrigadas a baixar-se, uma centelha de
esperança conservada nas pequenas adaptações que vão
desenvolvendo mas que mais não garantem do que a possibilidade de
viverem um dia de cada vez, sem grandes ilusões quanto àquilo que o
futuro lhes reserva. É notável a forma como Sandro William
Junqueira prova não haver espaço para milagres felizes e nos
apresenta a vida como essa grande prestidigitadora, nunca falhando nos
seus truques e conseguindo iludir-nos sempre. A ler, absolutamente!
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