“A Amante Holandesa”,
de J. Rentes de Carvalho
Ed. Quetzal Editores, 1ª edição
Julho de 2010 (reimpresso em Fevereiro de 2016)
“A Amante Holandesa” marca, em
termos pessoais, o reencontro com a prosa de José Rentes de Carvalho
naquilo que nela há de mais duro e cru. É um livro que nos fala de
uma amizade baseada nas recordações de uma vida, nos laços que se
criam e que permitem abrir ao outro aquilo que de mais importante se
guarda, mas onde se percebe também que uma relação bem assente
pode não passar, afinal, de uma ilusão, um fortuito raio de luz a
revelar de súbito aquilo que permanecia na sombra, daí sobrevindo o
desencanto, o desapontamento, o fim.
O livro fala-nos de Amadeu, o Gato,
pastor em Trás-os-Montes depois duma vida de trabalho como estivador
no porto de Amsterdão e das conversas que vai mantendo com um amigo
de infância, professor em Bragança em final de carreira. As
memórias da aventura fugaz e fatal com uma bela mulher estrangeira e
rica são o assunto mais frequentemente aflorado, causando uma viva
impressão no professor, cuja existência se resume a um casamento
gasto e uma história de vida com contornos obscuros e que o mantêm
nas bocas do mundo. Entre o real e o fantasioso, os relatos do Gato
farão vir ao de cima o que de pior existe em cada um dos amigos,
emergindo em ambos o sentimento de que tudo falhou na sua vida.
Na linha de “O Meças” ou
“Montedor”, este é um livro que revela como o ser humano, na sua
aparente simplicidade e bonomia, pode ser tão imprevisível, capaz
de, sem razão que se adivinhe, passar do bom modo à bruteza, da
mansidão à selvajaria. É um livro que nos pega pela mão e nos
convida a passear pelas serranias transmontanas, a sorver a
serenidade e o bucolismo da paisagem, para logo nos pôr em
sobressalto com emoções tão rudemente contratantes com toda aquela
calma aparente. Incómodo, ácido, agreste, “A Amante Holandesa”
é uma viagem a esse interior pequenino e mesquinho, onde se mata por
uns metros quadrados de terra ou por um rego de água, onde não há
lugar para ser ou pensar diferente. Com o despudor que o caracteriza,
José Rentes de Carvalho volta a mostrar-se avesso a finais felizes,
lembrando-nos que, afinal, debaixo da pele dum país para turista
ver, continuamos a ser um país de gente retrógrada, preconceituosa
e profundamente atrasada.
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