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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

CINEMA: "À Porta da Eternidade"



CINEMA: “À Porta da Eternidade” / “At Eternity’s Gate”
Realização | Julian Schnabel
Argumento | Jean-Claude Carrière, Julian Schnabel, Louise Kugelberg
Fotografia | Benoît Delhomme
Montagem | Julian Schnabel
Interpretação | Willem Dafoe, Rupert Friend, Oscar Isaac, Mads Mikkelsen, Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Niels Arestrup, Anne Consigny, Vincent Perez, Amira Casar
Produção | Jon Kilik
Grã-Bretanha, Suiça, Irlanda, França, Estados Unidos | 2018 | Biografia, Drama | 111 minutos | M/12
Cinema Dolce Espaço
08 Fev 2019 | sex | 16:00


Há aspectos da vida de Van Gogh que são de todos conhecidos: as suas perturbações mentais, o ter cortado a orelha esquerda em 1888, a falta de reconhecimento em vida (é sabido que apenas logrou vender um dos seus mais de 2.000 quadros) ou uma existência discreta e muito pouco próspera. Ora, não é propriamente disto que nos fala “À Porta da Eternidade”, com Julian Schnabel a distanciar-se do convencional ‘biopic’ com fins comerciais, sem com isso deixar de nos oferecer um olhar autêntico e sensível da personagem. Estamos perante uma obra que tenderá a não despertar um particular interesse no espectador que busque simplesmente um momento bem passado, com uma certa nostalgia de permeio e uma sensação final de bem-estar. Neste filme não há qualquer tipo de redenção, antes sobressaem as inquietações, delírios e frustrações de um artista incompreendido, particularmente sensível e a quem a felicidade decidiu voltar as costas.

Isto não significa que “À Porta da Eternidade” seja um filme duro ou indiferente. Chega a ser comovente o viver e o sentir deste génio da pintura tão tardiamente reconhecido, bem como a evidência do seu talento, plasmado em numerosas obras e exibido de maneira convincente por Schnabel, também ele um pintor reconhecido e bastante cuidadoso nos temas que aborda, como ficou bem demonstrado nos notáveis “Basquiat” (1996) e “O Escafandro e a Borboleta” (2007). Todavia, o aspecto mais conseguido do filme tem a ver com o modernismo da linguagem cinematográfica - a câmara à mão, os cortes abruptos - na abordagem a um retrato “de época” que se quer sério e desprovido de artificialismos. Schnabel ultrapassa este desafio de forma assaz notável, transmitindo na perfeição as emoções duma mente febril e as derivas duma doença mental indefinida, colocando-as na génese duma obra transcendente e que faz de Van Gogh um dos grandes percursores da Arte Moderna.


O retrato dos sonhos de Van Gogh sai reforçado graças ao magistral desempenho de Willem Dafoe, cuja intensidade radiante preenche o filme por inteiro. O seu discurso pode até soar pretensioso nos ruidosos pronunciamentos que faz sobre a sua arte ou a dos outros - gostava de encontrar uma nova luz, de pintar o que ainda ninguém viu, o brilho das imagens, a luz do sol -, mas essa sensação de desconforto apenas dura até nos darmos conta de que foi exactamente isso que Van Gogh fez e que alguns planos de Schnabel, magistralmente valorizados pela fotografia de Benoît Delhomme, surgem emoldurados como recriações modificadas dos quadros do pintor, trazendo essa verdade ao de cima. Todos aqueles amarelos crepusculares dum campo de girassóis surgem perfeitamente traduzidos nas nossas canecas de chá, nos magnetos pregados no frigorífico lá de casa ou em mil e uma reproduções de todos os tipos. Mas Schnabel lembra-nos que elas eram, de facto, as cores da vida de um homem.


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