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segunda-feira, 12 de novembro de 2018

CONCERTO: Beatriz Nunes



CONCERTO: Beatriz Nunes
Misty Fest 2018
Auditório de Espinho – Academia
10 Nov 2018 | sab | 21:30


Há momentos assim, em que tudo parece conjugar-se no sentido da perfeição. Primeiro, uns acordes dispersos que ensaiam uma melodia sussurrada e logo a seguir uma voz muito límpida, cheia de doçura, que nos fala do vai e vem das andorinhas a marcarem o ritmo das estações. Como que por magia, à nossa frente abrem-se, de súbito, memórias duma infância feliz, as brincadeiras naqueles dias que pareciam não mais ter fim, banhos no rio, corridas de bicicleta, campeonatos de caricas, tudo envolto numa morna brisa, debaixo dum céu muito azul, repleto de andorinhas. E assim, escutando “Andorinhas”, permanecemos como que suspensos numa outra dimensão, tal como se nesse instante todo o universo convergisse naquela sala, concentrado na pureza da voz de Beatriz Nunes.

De encantamento se fez o concerto que a cantora ofereceu ao (pouco) público de Espinho, no âmbito do Misty Fest 2018. Do primeiro ao último acorde, a ilusão de caminhar num sonho vívido não se dissipou. Como o mais belo dos livros, que nos surpreende e extasia a cada página volvida, o concerto prosseguiu numa toada crescente de cumplicidade e deslumbramento, primeiro com “Ouroboros”, notável composição em contexto jazz e a prova provada de que a voz é o maior de todos os instrumentos, e depois com “Aurora Tem Um Menino”, com arranjos de Jorge Moniz, numa delicada interpretação que imortaliza esta composição do cancioneiro alentejano.

Seguindo um alinhamento que acompanhou, de forma quase fiel, o seu primeiro álbum, “Canto Primeiro”, Beatriz Nunes homenageou o “seu” Barreiro com “Sul e Sueste”, interpretou de forma sublime a “Canção da Paciência”, do maior de todos, Zeca Afonso, mostrou excepcionais dotes de letrista com os lindíssimos poemas que são “Rio Sem Margem”, “Resistência” e “Pedras”, terminando com “Senhora do Ó”, a partir de um poema maravilhoso de Margarida Vale de Gato. Importa dizer ainda que o reconhecimento por momentos tão especiais é devido, em apreciável medida, aos músicos que acompanharam a cantora em palco, do já referido Jorge Moniz na bateria, ao contrabaixista João Custódio e a esse pianista fabuloso que dá pelo nome de Luis Barrigas. A eles muito fica a dever a enorme amplitude e refinamento de sonoridades que, embora abrigadas sobretudo no aconchegante manto do jazz, não descuraram um distinto toque clássico, em sintonia com a formação da cantora. Em breves palavras, é este o retrato vivido e sentido duma inesquecível noite em Espinho. Ficam as memórias e fica, ainda, este “Canto Primeiro”, uma das mais extraordinárias propostas discográficas de 2018. Garantidamente!

[Foto: Auditório de Espinho - Academia / facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]

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