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domingo, 27 de maio de 2018

TEATRO FÍSICO | DANÇA | MÚSICA: "Hanno"



TEATRO FÍSICO | DANÇA | MÚSICA: “Hanno”
Criação e Dramaturgia | Rina Marques e Rui Paixão
Interpretação | Rina Marques e Rui Paixão
Criação Musical e Música ao Vivo | Cecília Costa
Uma Criação Imaginarius 2018
Santa Maria da Feira
25 Mai 2018 | sex | 19:10


É um final de tarde ameno e ruidoso em Santa Maria da Feira mas, no Rossio, os ambientes são os da noite mais negra, um silêncio de cortar à faca, o nevoeiro a envolver a terra num abraço frio e húmido. Ao desterro dum lugar sem nome chega um carro. No seu interior, um casal discute. Não se ouve o que dizem, qual o motivo da zanga, mas braços e corpos agitam-se, convulsos, descarregando no outro toda a raiva do mundo. A briga adensa-se, o nevoeiro também. De súbito um som seco estala. Depois outro, e outro, e outro...

Aliando dança, teatro físico e música (vibrante percussão acústica e electrónica, desenhada e interpretada ao vivo por Cecília Costa), “Hanno” é uma história intemporal de amor e ódio. As emoções mais primárias são trazidas para primeiro plano de forma crua e intensa, ora abrindo-se em gestos de ternura, ora alimentando a violência e o confronto que acabará por reduzir as personagens à sua condição animal, literalmente. A configuração do “palco”, com tanto de comprido como de estreito, força a aproximação física entre público e actores, propiciando um clima de tensão a raiar o insustentável, o drama a desenrolar-se à distância de um braço. Em estado de inquietação e angústia crescentes, o espectador é obrigado a tomar partido, mergulhado também ele no pesadelo desta relação.

Exímios na forma como vestem a pele das suas personagens em palco, Rina Marques e Rui Paixão ofereceram ao vasto público presente no Rossio da Feira um espectáculo poderoso e particularmente apelativo do ponto de vista visual. A forte componente de dança contemporânea é evidenciada de forma sublime por Rina Marques, toda ela gestualidade versátil, graciosidade e harmonia, o contraponto perfeito à exuberância física do teatro de Rui Paixão, à sua mobilidade, polivalência e, sobretudo, expressividade. Um e outro encarnam uma relação tempestuosa, num ambiente tornado opressivo por uma inteligente e rigorosa concepção dramatúrgica, a remeter para os grandes clássicos do teatro, de “O Som e a Fúria” a “Há Lodo no Cais”, de William Faulkner a Tennessee Williams. O melhor espectáculo desta edição do Imaginarius 2018.

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