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sábado, 26 de maio de 2018

DANÇA: "Doesdicon"



DANÇA: “Doesdicon”,
Direção Artística grupo Dançando com a Diferença | Henrique Amoedo
Coreografia | Tânia Carvalho
Interpretação | Bernardo Graça, Diogo Freitas, Isabel Teixeira, Joana Caetano, Maria João Pereira, Nuno Borba, Sara Rebolo, Telmo Ferreira
Produção | Diogo Gonçalves e Natércia Kuprian
Centro de Arte de Ovar
25 Mai 2018 | sex | 22:00


A luz extingue-se, os actores alinham-se à frente do palco, o público ergue-se das cadeiras e reage com um aplauso prolongado, sentido, garganta apertada, olhos brilhantes. Entre os oito actores que agradecem (talvez seja mais correcto referir apenas sete, um deles, braços cruzados, parecendo incomodado com o momento), uma jovem é suportada pelos dois actores que a ladeiam, os movimentos involuntários que lhe percorrem o corpo e que a fizeram brilhar durante o espectáculo a serem os mesmos que a impedem, percebe-se agora, de se manter de pé e de sorrir. Há duas jovens com Síndrome de Down que parecem não caber em si de contentes. E há, também, actores que, não sendo daquele “clube”, estão ali a vincar a ideia subjacente a este fantástico projecto que se designa “Dançando com a Diferença” e que nasceu na Região Autónoma da Madeira em 2001: Juntar em palco pessoas com e sem deficiências unidas pela causa única de dançar!

Estreado há precisamente um ano, “Doesdicon” foi o espectáculo que os Dançando com a Diferença trouxeram na noite de ontem ao Centro de Arte de Ovar. Explorando vários territórios de expressão artística – a dança, desde logo, mas também a música, o teatro ou a memória do cinema – o espectáculo mergulha o espectador num ambiente onírico, povoado de personagens cujas reacções automatizadas remetem para a infância, ilusão e encantamento passeando de mãos dadas com medos e fantasmas. Sente-se como que uma estranheza, reforçada pelo extraordinário trabalho de luz sobre o palco e por uma música ritmada por sons metálicos, como se ponteiros de relógio a marcarem o tempo, o coelho da “Alice no País das Maravilhas” a espreitar por detrás da cortina, acompanhado de um exército de soldadinhos de chumbo.

Sobretudo, este é um espectáculo que nos interroga sobre nós próprios e a nossa condição de espectadores face ao lugar do palco e àqueles que o percorrem. Quem acha que sabe ao que vai, uma boa dose de condescendência de reserva, verá seguramente a sua má consciência posta a nu. Os Dançando com a Diferença são, todos eles, grandes actores e bailarinos, tornados pedras preciosas nas mãos da coreógrafa Tânia Carvalho. Como ninguém, ela soube retirar o melhor de cada um dos actores para, em palco, dar a ver um espectáculo notável de rigor e contenção, pleno de emoção, vibrante, inesquecível. Não é fácil recordar um espectáculo de dança tão forte e inspirador como este. Em momento algum a vida e o palco estiveram tão próximos. Em momento algum nos sentimos tão próximos do palco, tão cheios de vida.

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