LIVRO: “E a Noite Roda”,
de Alexandra Lucas Coelho
Ed. Companhia das Letras, Maio de
2017
Naquele início de Novembro de 2004, o Mundo está
suspenso do estado agónico de Yasser Arafat. É neste contexto que a
vida de dois jornalistas se cruza em Jerusalém. O que daí advém
revelar-se-á muito mais que uma história de amor. Em permanente “estado
de sítio”, a vida de ambos como que irá mimetizar a instabilidade
política que se vive naquela zona do globo. As manobras de diversão
suceder-se-ão, assim como os cessar-fogo. Os danos ir-se-ão avolumando,
ameaçando tornar-se irreparáveis. Até que em Dezembro de 2006 fica
tudo escuro.
Mais do que uma grande jornalista, Alexandra Lucas Coelho é uma enorme comunicadora. A sua escrita é rápida,
telegráfica. Não são necessárias mais do que duas ou três “pinceladas” para que todo um quadro se abra, nítido, aos nossos
olhos. Ela sabe, como ninguém, expor a fragilidade emocional, a vulnerabilidade, de quem convive quotidianamente com o horror. E é exímia em descrever os sentimentos mais díspares que resultam da pressão constante, do medo permanente. Centrando o romance na figura feminina, é notório o esforço de autopreservação duma certa normalidade na vida da personagem principal, mas não deixa de ser desconcertante a forma como permite que um quarto com vista ou o cheiro doce do jasmim se deixem “contaminar” por horas de espera em checkpoints ou pelos raides aéreos noturnos dos F16 israelitas sobre Gaza. Obrigando o leitor a mergulhar no desprazer e no sobressalto face à objectividade
com que aborda situações reais de conflito, logo de seguida vem “resgatá-lo”, levando-o de mãos dadas a vaguear ao redor da
Notre-Dame de Paris, a procurar um casaco nos corredores do Vaticano
ou a provar um queijo Garrotxa numa casa à sombra dos Pirinéus.
Entre as várias leituras que “E a
Noite Roda” permite, a mais fascinante será, porventura, aquela
que se encontra implícita no próprio título do livro, indiciadora
dum movimento de constante vai-e-vem, onde o gelo dá lugar ao fogo, a quase indiferença à tórrida paixão, a noite densa e negra ao mais radioso dos dias. É assim com a
noite que roda, como o é com a vida de Ana Blau, fluindo naquilo que tem de mais
íntimo. A paz é uma miragem quando a vertigem dum amor, feito de avanços e recuos, tem tanto de desejo quanto de irracional. O apaziguamento não é mais
que o ganhar fôlego para um novo embate. Alexandra Lucas Coelho
prova-o de forma irrefutável. É todo um manancial de verdade aquele
que emana da figura principal do romance. Com ela rimos e choramos, nos
debatemos, nos envolvemos. Tão fortes, mas tão frágeis a cada instante. Como navios sem rumo, entregues aos caprichos dos elementos,
certos que um tempo bonançoso suceder-se-á a cada nova tempestade.
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