EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Eterno
Retorno”,
de Rosa Bela Cruz
Biblioteca Municipal de Ovar
24 Nov 2017 > 06 Jan 2018
O olhar é doce, de um azul-água
cristalino. Na cabeça, um lenço igualmente azul, como que prolonga
o rosto e o torna ainda mais belo. Levemente cerrados, os lábios
carmim oferecem-se, aveludados. A pele adivinha-se macia na suave
curva do pescoço. Mas logo o desconforto dum ombro coberto por uma
blusa às riscas azul-cinza, a remeter para estrelas de seis pontas,
comboios que avançam na noite, tempos sombrios, soluções finais.
Na penumbra, sobre o lado direito, há grades que ensombram ainda
mais o quadro, intrometendo-se entre a figura da mulher e o
espectador. Só o olhar trespassa a hedionda barreira, recusando o
conformismo. É triste, aquele olhar.
A pintura de Rosa Bela Cruz tem esta
capacidade de dar a ver para além das aparências. É assim com este
quadro que se acaba de descrever – uma obra que a artista levou recentemente à 2ª Bienal de Arte de Gaia, onde integrou o
núcleo “Artistas pela Paz”. Como o é com as restantes obras
expostas neste “Eterno Retorno”, num total de 31, de tamanhos e formatos variados, em diferentes suportes, e que podem ser agora
vistas na Biblioteca Municipal de Ovar. Uma exposição feita de
emoções, onde a tristeza se mescla com a interrogação, a dor com o
desafio.
Limitando a representação das suas
figuras ao género feminino - “emaranhado de mulheres, onde me
procuro”, declamou a poetisa Aurora Gaia no ato de inauguração da
exposição - adivinha-se em Rosa Bela Cruz uma tentativa de combater
a intersecção das questões de género com outro tipo de
discriminações, ainda tão presentes na nossa sociedade. Num
permanente jogo de olhares, a artista coloca o espectador no papel de
interlocutor, convocando a reflexão e o diálogo. No limite, é uma
“pintura de intervenção”, assumindo de forma clara o papel da
arte como instrumento de denúncia. Independentemente desta sua
dimensão interventiva, “Eterno Retorno” é uma
exposição que se sorve com redobrado prazer. Do conjunto exposto
emana uma subtil harmonia. Os quadros são duma beleza imensa,
sobrelevando a qualidade técnica da artista e o seu enorme bom gosto
na forma como tira partido da cor. Uma exposição imperdível e que
pode ser vista até ao próximo dia 06 de Janeiro.
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