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sábado, 6 de setembro de 2025

LUGARES: Torre Centum Cellas



LUGARES: Torre Centum Cellas
Monte de Santo Antão - Colmeal da Torre
Horários | De segunda a sexta, das 09h00 à 17h00
Ingressos | Bilhete normal € 2,00


Situada nas proximidades de Belmonte, a Torre de Centum Cellas é um dos vestígios mais enigmáticos e emblemáticos da presença romana no interior da Península Ibérica. Construída no século I d.C., presume-se que integrava um complexo agro-industrial pertencente a uma villa romana, provavelmente de propriedade de um cidadão abastado de nome Lucius Caecillius Viator, como atesta uma inscrição epigráfica descoberta nas imediações. A sua monumentalidade e a qualidade da construção revelam não apenas o nível de romanização da região, mas também a existência de elites locais integradas nos modelos económicos, sociais e culturais do Império Romano. A localização estratégica da torre, entre os rios Zêzere e Côa e junto à importante via de comunicação que ligava Emérita Augusta (Mérida) a Bracara Augusta (Braga), aponta para a importância deste território como ponto de articulação entre o litoral e o interior romano.

Antigamente também chamada de Torre de São Cornélio, a Torre Centum Cellas é de planta rectangular e construída em silhar de granito cuidadosamente talhado. Destaca-se pela sua robustez e simetria, evidenciando técnicas construtivas romanas sofisticadas. Ainda que o seu uso exacto continue a ser motivo de controvérsia entre os investigadores — entre interpretações que a apontam como torre de armazenamento, prisão, posto militar, atalaia ou, mais consensualmente, como parte central de uma villa —, o edifício fornece dados valiosos sobre a arquitetura rural romana e sobre a adaptação dos modelos italianos às realidades provinciais. A designação tradicional de “Centum Cellas” (cem celas), provavelmente de origem medieval, sugere uma memória colectiva de grande compartimentação interna, o que reforça a teoria da sua função residencial e administrativa dentro de uma propriedade agrícola de grandes dimensões, dedicada possivelmente à produção de vinho, azeite e cereais ou à exploração dos aluviões metalíferos na confluência da Ribeira de Gaia com o Rio Zêzere.

Composta por dois pisos, a Torre reveste-se de uma evidente centralidade e imponência arquitectónica, em redor da qual se desenvolveu um conjunto habitacional que as escavações realizadas pelo IPPAR, entre 1993 e 1998, viria a revelar. Datando a sua construção inicial do século I d. C., o edifício foi parcialmente incendiado e destruído em finais do século III, altura em que foi alvo de algumas alterações, designadamente ao nível da disposição dos vários elementos que o compunham na origem. De entre este conjunto de remodelações, realçamos a presença de uma sala com abside e larário, para cuja edificação foram reaproveitados materiais pertencentes às estruturas preexistentes. Entretanto, datará da Alta Idade Média a construção de uma capela dedicada a São Cornélio sobre as ruínas da própria villa, reempregando, para o efeito, e uma vez mais, parte dos seus materiais constitutivos. Esta capela viria, no entanto, a desaparecer já em pleno século XVIII.

Do ponto de vista arqueológico e histórico, a Torre de Centum Cellas é fundamental para compreender os modos de ocupação romana no território interior da Lusitânia. Contrariando a visão de que o interior peninsular foi marginal na dinâmica imperial, este monumento demonstra que havia investimento em infra-estruturas duradouras, organização económica baseada em grandes explorações e articulação com redes regionais e imperiais. A torre insere-se assim num conjunto de vestígios que permitem mapear uma presença romana estruturada, e não meramente militar ou episódica, revelando uma paisagem profundamente transformada pela acção romana. Neste sentido, Centum Cellas é não só uma peça arquitectónica notável, mas também um documento histórico de primeira ordem para a leitura da romanização do interior ibérico.

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